29/04/2013 06h54 - Atualizado em 29/04/2013 09h57

População de Pilar, AL, revive última pena de morte no Brasil

Todos os anos, um espetáculo teatral reconstitui o fato histórico na cidade.
Em 2013, a última execução de morte no país completa 137 anos.

Rivângela GomesDo G1 AL

Depois de morto, o escravo Francisco foi retirado da forca por outros escravos. (Foto: Rivângela Gomes / G1)Depois de morto, Francisco foi retirado da forca por outros escravos. (Foto: Rivângela Gomes / G1)

O ginásio da Escola Municipal Nossa Senhora do Pilar, localizada no município de Pilar, a 37 km de Maceió, lotado denunciava que a noite deste domingo (28) não era como outra qualquer, era especial. Nem a forte chuva que caía na cidade impediu que centenas de pilarenses prestigiassem o cenário de luzes, cores, dança e emoção no qual se transformou a quadra da escola. Era a 13ª encenação do espetáculo teatral “A última pena de morte no Brasil”.

população acompanha atenta cada momento da encenação. (Foto: Rivângela Gomes / G1)População acompanha atenta cada momento
da encenação. (Foto: Rivângela Gomes / G1)

Todos os anos, a cidade de Pilar assiste à reconstituição da trajetória do escravo Francisco até a forca, após ter sido condenado, em 28 de abril de 1876, pela morte do capitão João Evangelista de Lima e de sua esposa, Josepha Marta de Lima. Os escravos Vicente e Prudêncio também participaram do assassinato.

Prudêncio morreu em confronto com a polícia e Francisco e Vicente foram capturados. Um processo foi instaurado e, depois de dois anos, eles foram condenados. Os escravos fizeram um “pedido de graça” ao imperador D. Pedro II, que, em nome da ordem pública, negou o pleito de Francisco, permitindo que ele fosse levado à forca, mas determinando que essa fosse a última execução do país. Vicente foi condenado à prisão perpétua em cadeia pública. 

Neste ano de 2013, a extinção oficial da pena de morte no país completa 137 anos e, pela primeira vez, a encenação mudou. Agora o espetáculo acontece à noite e em local fechado. Antes, a apresentação era feita nas ruas, até chegar ao Sítio Bonga, local onde aconteceu o enforcamento, em 1876. A montagem de uma hora e dez minutos conta com narrações, interpretações e intervenções de danças, como o maculelê, a capoeira e a dança do fogo.

Leitura da sentença de morte pelo juiz da comarca de Pilar em 1876. (Foto: Rivângela Gomes / G1)Leitura da sentença de morte de Francisco, em 1876. (Foto: Rivângela Gomes / G1)

O idealizador e roteirista é o alagoano Alberto do Carmo, formado em educação artística, direção teatral e artes plásticas. O diretor explica que o motivo da inspiração foi um livro. “Eu recebi um livro com a história de Pilar e, quando me deparei com esse fato, pensei no mesmo instante que ele deveria se transformar num roteiro de teatro. Então passei duas semanas na frente do computador transformando citações históricas em diálogos”, revela o diretor.

Alberto do Carmo conta que este ano a produção cresceu muito. “A quantidade de atores aumentou, uma cenografia condizente com o enredo foi montada e pela primeira vez o grupo utilizou um figurino de época próprio”, diz ele.

Grupo encena a dança do fogo durante a apresentação.  (Foto: Rivângela Gomes / G1)Grupo encena a dança do fogo durante a
apresentação. (Foto: Rivângela Gomes / G1)

A equipe teve um mês e meio de preparação e os ensaios aconteciam nos fins de semana. O elenco que dá vida à história é composto de atores e também de moradores do município. “O interessante disso tudo é poder prestigiar a população local. Convocamos os moradores da cidade e, pelo tipo físico, idade e disponibilidade, fomos encaixando nos papeis”, expõe Alberto.

Quem vive o personagem principal da trama é o pilarense Rodrigo Araújo, 26. Das 13 encenações da peça, ele foi o Francisco de 12 delas. “Depois do terceiro ano do espetáculo eu já nem era mais convidado, só me informavam que ia ter e me convocavam”, conta com orgulho. Ele comenta que já participou das montagens da Paixão de Cristo de Pilar interpretando Lázaro. “Morria do mesmo jeito!”, brinca o ator. 

​Outro personagem importante é a escrava velha, a principal da história. A atriz Diva Gonçalves, formada pelo curso de formação de atores da Universidade Federal de Alagoasx (UFAL), foi quem deu vida à escrava. “Cada trabalho tem suas peculiaridades. Esse é inexplicável pela oportunidade de vivenciar algo que realmente aconteceu. Eu sou negra, sou da cor, e você fazer um trabalho ligado às suas raízes é uma energia muito grande. Minha personagem nesse trabalho tem muito essa coisa da força, do orgulho, por isso para mim foi muito bacana”, pontua Diva.

Escrava velha diz Francisco que a honra  não se lava com a morte. (Foto: Rivângela Gomes / G1)Cena mostra diálogo entre escrava e Francisco, condenado à morte por enforcamento. (Foto: Rivângela Gomes / G1)

A população mantém os olhos atentos a cada detalhe do espetáculo e quem vem pela primeira vez sempre volta no ano seguinte. A aposentada Cilene Maria da Conceição, 62, diz que veio no ano passado e que este ano não deixaria de prestigiar novamente. “Comecei a vir no ano passado e acho muito bonito. Este ano tem um neto meu e um sobrinho participando, então a minha presença tinha que ser garantida”, revela Dona Cilene.

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