Mídias digitais viram desafio para escolas

Crianças interagem cada vez mais cedo com o virtual, enquanto pedagogos ainda avaliam eficácia dos recursos em sala de aula

18/02/2013 13:46

A- A+

Marcelo Alves

compartilhar:

A evolução dos meios digitais apresenta quase que diariamente várias novidades tecnológicas, e entre elas os chamados sistemas operacionais de computadores e de telefones móveis, que ainda são desconhecidos por algumas pessoas, mas familiares por outras, como no caso do pequeno Gabriel Lucas de Lima Brasileiro, de 13 anos de idade. Impulsionado pela curiosidade peculiar de crianças com sua faixa etária, o garoto aprendeu sozinho a interagir com os meios virtuais e começou a publicar vídeos explicativos sobre a utilização dos aplicativos. Os vídeos obtiveram grande número de acesso na internet e o menino recebeu uma proposta da Google, através do Youtube, sendo contratado para postar seus tutoriais ganhando dinheiro.

Dentro desse contexto, o que chama a atenção é que o menino não teve estímulo de familiares, nem mesmo na escola onde cursa o 9ª ano do Ensino Fundamental II. Para se ter ideia do descaso digital no estabelecimento de ensino onde Gabriel Lucas estuda, ele contou que há três anos não sabe o que é entrar no laboratório de informática.

Diante dessa realidade, a reportagem do Primeira Edição entrevistou especialistas na área pedagógica e descobriu que o uso das ferramentas ainda é visto com desconfia, quanto sua eficácia na produção de conhecimento, bem como há escolas equipadas com laboratórios de informática, mas não têm professores qualificados para utilizar os equipamentos, por medo de quebrá-los.

Diretora teme aparecimento de pseudo-aprendizagem

Jessica PachecoMesmo considerando imprescindível o uso das novas tecnologias na escola, a diretora pedagógica e especialista em formação de professores para educação infantil, Salvione Marinho Tenório, vê com muita preocupação o emprego dos recursos das novas mídias em sala de aula. Para Salvione Tenório, a introdução das novas mídias no ensino escolar pode gerar uma pseudo-aprendizagem, a partir do uso indisciplinado dos recursos.
Salvione Tenório vai mais além em sua crítica e afirma que as novas mídias podem se tornar um grande vilão no processo de ensino-aprendizagem. "As mídias ajudam no aprendizado, mas é preciso cuidado com as inovações para não se perder no meio do caminho", disse a coordenadora pedagógica.

Ela contou ainda que o número de reprovação aumentou devido ao uso indiscriminado dos recursos virtuais em substituição às técnicas de aprendizagem da chamada "Escola Tradicional", que tem como princípio a utilização do lúdico. "Brincar está relacionado com a educação e a aprendizagem. O lúdico morreu. As escolas têm que resgatar projetos do fundo do baú, do tempo da vovó. Têm crianças que não sabem o que é o pular corda, elástico, brincar com o jogo cinco Marias [jogo das cinco pedras]. Tudo tem que ser mostrado e apresentado", ressaltou.

A especialista acrescenta ainda que o emprego desenfreado das ferramentas digitais pode, no futuro, acarretar dificuldades sensitivas e motoras. "Se em uma aula sobre cores, a professora utiliza o tablete para especificar as tintas, os alunos não terão a oportunidade de trabalhar as questões sensoriais, porque não vai ter contato com a textura da cor. Eles [alunos] também não terão ideia sobre o que são as cores quente e fria, além desconhecer o cheiro da tinta".

"Estamos no mundo da informação e não do conhecimento. Temos uma avalanche de informação e precisamos de um tempo para ver o que é necessário imprescindível para transformamos em conhecimento", disse.

Questionada se Gabriel Lucas é superdotado por utilizar com facilidade as novas mídias, Salvinone Tenório descartou a hipótese, afirmando que o menino é apenas um autoditada por já ter nascido inserido na nova cultura virtual.

Pesquisa garante eficácia, mas não vê professores qualificados

Defensora do uso das novas mídias nos ensinos fundamentais I e II, a universitária do 9º ano Jessica Pachecodo curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Aline Neyde de Lima, está concluindo sua pesquisa cientifica para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), abordando a utilização das ferramentas nas escolas, com o tema: "Tecnologia e aprendizagem significativa: uma análise crítica e reflexiva numa escola estadual".
Dizendo-se conhecedora da realidade de algumas escolas públicas e até privadas, Aline Lima vê como imprescindível o emprego das novas mídias no processo de ensino-aprendizagem.

Muito segura com o que observeou em sua pesquisa e também no que viu em seus estudos sobre o tema, ela deposita muita confiança na eficácia de produção de conhecimento por meio dos meios tecnológicos em todas as disciplinas do ensino fundamental.

Diferente de Salvione Tenório, Aline Lima não acredita que as ferramentas prejudiquem a coordenação motora dos alunos. "O mouse propicia grande habilidade nos movimentos com os jogos online ou a desenhar no computador. É feito muito movimento e é trabalhado a ideias como a de lateralidade", disse.

Ela contou ainda através da pesquisa detectou que as escolas ainda não estão antenadas aos recursos tecnológicos. Ela confirma essa crítica embasada nos resultados de uma pesquisa de campo realizada em 2009, durante seis meses de estudo in loco. Ela contou que, na época, visitou sete escolas (cinco estaduais e duas particulares), e verificou que os estabelecimentos de ensino estavam equipados com laboratórios de informática, mas não tinha professor apto a utilizar os recursos nas disciplinas.

Além do descaso com os equipamentos nestas escolas que foram alvo da pesquisa, Aline Lima revela ter se deparado com professores que tinham medo de utilizar os recursos no processo ensino aprendizagem. "Muitos professores entrevistados durante a pesquisa se defenderam, afirmando que não tinham cabeça para aprender a usar as novas mídias, enquanto que outros disseram que tinham medo de quebrar os computadores", disse.

Ela entende que é necessário fazer um trabalho de conscientização com os professores para integrá-los ao novo modelo de ensino com o tradicional. Outro problema encontrado nos laboratórios de informática das escolas públicas e que também estaria prejudicando o uso da ferramenta pelos professores é a configuração do sistema operacional dos computadores que é Linux e não Windows, que é o mais utilizado pelos educadores.

Mestre em educação defende a interação entre novo e tradicional

DivulgaçãoO coordenador do curso de Pedagogia/Mídias à Distância da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Eraldo de Souza Ferraz, que também é mestre em educação pelo o Centro de Educação na mesma faculdade, entende que as novas mídias devem ser usadas como complemento às técnicas tradicionais de ensino aprendizagem.

"A tecnologia serve para o professor transmitir a informação. Mas depois, esse educador deve complementar essa aula com as atividades lúdicas para transformar e sedimentar as informações em conhecimentos. Isso significa criar uma integração entre os meios tradicionais e as mídias digitais".

Eraldo Ferraz aproveito para chamar a atenção de professores que têm "medo" dos equipamentos tecnológicos. "Nas escolas não há profissionais habilitados para utilizar os equipamentos. Há escolas que deixam os computadores inutilizados, porque gestores e professores temem quebrá-los durante as aulas. O computador pode quebrar usando e até se não usar. Esse medo de enfrentar o desconhecido deixa o adulto receoso e neste primeiro obstáculo ele para. Há ainda o temor de que os equipamentos sejam roubados".

Segundo ele, os alunos não esperam pelas escolas e estão buscando a interação com as tecnologias. "O aluno, por si só, tem buscado a aprendizagem e está incomodando professores que não acessam a tecnologia e não sabem utilizá-las como, por exemplo, um simples email".

"Apesar dessa facilidade com as novas tecnologias, essas crianças não são consideradas superdotadas. O adulto tem medo do desconhecido, enquanto que a criança não tem medo de quebrar e não tem noção de valor".

De acordo com Eraldo Ferraz, o mau uso das novas mídias não é apenas uma realidade das escolas de ensino básico, mas também é verificado nas universidades.

Gabriel Lucas sonha ser engenheiro mecatrônico

Enquanto a escola onde Gabriel Lucas estuda deixa de lado as novas mídias, mantendo as portas do laboratório de informática fechadas, o garoto segue com a inocência peculiar de uma criança aprendendo sozinho a mexer nos equipamentos virtuais, ensinando e tirando dúvidas com uma linguagem de fácil entendimento sobre sistemas operacionais.

Questionado sobre como surgiu a iniciativa em aprender a operar os sistemas operacionais, Gabriel Lucas respondeu que foi a partir do dia em que foi presenteado por seus pais com um celular com alguns aplicativos. "Quando ganhei o celular, tive a curiosidade de encontrar formas mais simples de operar os aplicativos. Com isso meus amigos começaram a me procurar para tirar dúvidas sobre eles. Como eram muitos colegas me pedindo explicação, eu resolvi fazer vídeos tutoriais sobre os sistemas operacionais, Android, Smartphones, dicas de como baixar jogos, bem como manusear outros aplicativos", disse.

De vídeo em vídeo postado no youtube já possui milhares de visualizações. O pai de Gabriel Lucas, o bancário Mário Jorge Mauro Brasileiro credita o sucesso dos vídeos de seu filho a linguagem simples e acessível para tirar dúvidas sobre o uso dos sistemas.

Mário Jorge Brasileiro contou que tenta com sua esposa, a fisioterapeuta e técnica em enfermagem Gilvanete de Lima Silva Barbosa, encontrar um curso sobre JAVA [linguagem de jogos] para crianças de até 13 anos para matricular Gabriel Lucas.

Confira o vídeo explicativo criado por Gabriel Lucas explicando a construção de seu blog (universodoandroid1.blogspot.com.br). No vídeo, ele informa que está construíndo, mas a página virtual está praticamente pronta:

Primeira Edição © 2011