Por Derek Gustavo, G1 AL


Manifestações pelo mundo alertam para importância de combater a homofobia — Foto: Niranjan Shrestha/AP

O Agreste e o Sertão de Alagoas são as regiões do estado que concentram a maioria das denúncias de violência contra a população LGBTTT (sigla utilizada para designar lésbicas, gays, bissexuais, trânsgêneros, transexuais e travestis) recebidas pelo Disque 100.

A informação é da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (SEMUDH). De todas as denúncias que envolvem minorias, em 95% dos casos as vítimas são LGBTTT, e 75% delas moram nessas duas regiões.

Os números de mortes de LGBTTT registrados pelo Grupo Gay de Alagoas (GGAL) durante este ano apresentam comportamento semelhante. Das cinco mortes ocorridas nos primeiros meses de 2017, três foram no interior.

“A maioria dos casos de violência tem relação com a família, que por não ter conhecimento, compreensão sobre LGBTTT, identidade de gênero, acaba reagindo muito mal. Essas pessoas usam a violência, ameaças, para tolher a liberdade de jovens que não se encaixam no padrão heteronormativo”, explica Maria Alcina Ramos de Freitas, técnica de Políticas Públicas para a população LGBTTT da SEMUDH.

Maria Alcina, que é uma mulher trans, aponta um outro motivo que pode explicar esse crescimento das denúncias no Agreste e Sertão, registrado pela secretaria nos últimos dois anos: a cultura e os costumes nesses locais.

“Nossos traços do cangaço são muito fortes. Até mulher tem que ser macho. Por conta disso, às vezes a pessoa nem é gay, e sim um pouco mais delicada, e acaba sofrendo também”, diz Alcina.

E essa mentalidade, mais dura, acaba levando à violência física ou verbal. Algumas vezes, a situação vai um pouco mais além, chegando à violação sexual permitida, que é quando os pais, acreditando que podem “corrigir” o filho ou a filha homossexuais, autorizam algum outro parente ou conhecido do sexo oposto a manter relações sexuais com eles, na crença de que isso irá curá-los.

Rede de apoio

São vários os relatos de violência que chegam à SEMUDH através do Disque 100, serviço criado pelo Ministério da Justiça. Um deles, em Arapiraca, no Agreste, dá conta de uma adolescente de 15 anos transexual. Ela nasceu no corpo de menino, mas sua identidade de gênero é de menina.

Ela não quer usar roupas de menino e isso se tornou um problema na escola onde estuda. Ir ao banheiro dos meninos se tornou perigoso, por conta de possíveis agressões, e as meninas não a querem no banheiro feminino. Resta somente o que é utilizado pelos funcionários do estabelecimento de ensino.

Os professores, a direção, os pais e os alunos dessa escola estão recebendo orientações a respeito de identidade de gênero. E quem cuida dessa conscientização é uma rede de apoio montada pela secretaria, principalmente por conta da falta de pessoal próprio em outros municípios além da capital.

“Como no Sertão e no Agreste nossa equipe não tem número suficiente, foi necessário juntarmos os Centros de Referência da Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas) e os Centros Especializados de ajuda à mulher, que funcionam em Delmiro Gouveia e Arapiraca”, explica Maria Alcina.

Além disso, em Delmiro ainda há o apoio do Núcleo de Diversidade de Gênero da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que também auxilia no trabalho com as vítimas.

“Além de oferecer ajuda às vítimas, a gente procura dialogar com as secretarias, quando os casos envolvem escolas ou postos de saúde, por exemplo, elaboramos material para orientar sobre diversidade sexual e de gênero, conversamos e debatemos a aceitação com os pais e as pessoas diretamente envolvidas com essas vítimas. E, principalmente, reforçamos que essa é uma característica, e não uma doença, e que segundo a Constituição, uma pessoa não pode ser desrespeitada pelo que ela é”, conclui Alcina.

Importância de denunciar

Presidente do conselho LGBTTT, Rita Mendonça — Foto: Derek Gustavo/G1

O Disque 100 é a principal forma de denúncia de casos de violência, mas não a única. “As vítimas podem procurar a SEMUDH, a delegacia, o Ministério Público”, afirma a superintendente dos Direitos Humanos e Igualdade Racial e presidente do Conselho LGBTTT, Rita Mendonça.

Contudo, ainda segundo ela, fazer a denúncia de forma presencial ainda assusta muitas vítimas. Ela conta que muita gente não denuncia porque fica intimidada na delegacia.

"Às vezes a pessoa fica com vergonha de dizer que é homossexual ou trans, e quem confecciona o boletim de ocorrência também não pergunta. Isso dificulta na hora de elaborar estatísticas, por exemplo”, diz Rita Mendonça.

Algumas vezes as denúncias recebidas pelo Disque 100 não identificam a vítima. Ainda assim, elas são necessárias.

“Quando não há a identificação da vítima, nós não podemos localizá-la, mas ela entra na estatística. Assim, sabemos onde estão ocorrendo os casos de violência, e podemos trabalhar a educação naquele lugar. Por isso, ligar é o melhor caminho”, afirma Rita.

“Nosso esforço maior é mudar o comportamento da população, já que ainda vivemos em uma cultura ultrapassada, que não respeita a individualidade. Fazemos estudos constantes para saber como abordar, dialogar, para acabar com essa agressividade contra essas pessoas. O trabalho é difícil, anda a passos lentos, mas está se ampliando”, diz Maria Alcina.

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