Esportes

Em petição de miséria

Entregue em 2010 com investimentos de R$ 8 milhões para garimpar talento, Vila Olímpica Lauthenay Perdigão, de responsabilidade da Prefeitura de Maceió, é puro retrato do desperdício do dinheiro público e abandono

Por Tribuna Independente 19/05/2018 10h54
Em petição de miséria
Reprodução - Foto: Assessoria
Uma obra que deveria incentivar a prática esportiva e garimpar talentos entre jovens da parte alta de Maceió é hoje o puro retrato do desperdício do dinheiro público, do abandono. Matagal a perder de vista, quadras esportivas mal conservadas, com aparelhos retorcidos e carcomidos pela ação do tempo — tudo isso fora restos de lixo que “correm” soltos em plena pista de atletismo olímpica, dificultando a mobilidade dos futuros atletas. Este é o quadro do flagrante desperdício do dinheiro público que consumiu cerca de R$ 8 milhões à época de sua execução em uma estrutura que deveria atrair os jovens para distanciá-los do mundo das drogas. Assim é o estágio atual da Vila Olímpica Lauthenay Perdigão, localizada no conjunto Village Campestre, no bairro da Cidade Universitária, na parte alta de Maceió, cuja administração é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude (Semelj). Garotos no treino improvisado (Foto: Sandro Lima) O complexo esportivo se localiza justamente em um bairro onde a criminalidade e a desigualdade chamam a atenção. O espaço contempla campo de futebol, ginásio, quadra de futsal, e modalidades como basquete, voleibol, arremesso de peso, local para uma piscina que nunca saiu do papel e uma pista olímpica de saibro, todos com a manutenção comprometida. Professor Darlan comanda projeto (Foto: Sandro Lima) Tristeza de quem dá nome à Vila Quem dá o nome à Vila Olímpica naquela que seria uma bela homenagem é o arquivo vivo do esporte em Alagoas, Lauthenay Perdigão, 82 anos, que, ironicamente, sempre conservou com zelo e carinho seus arquivos e memórias e confessa a tristeza de ver seu nome jogado ao ostracismo numa obra que seria tão importante para revelar jovens esportistas. “É muito triste isso, né! Lamentável ver nosso nome jogado ao esquecimento numa estrutura que poderia ser tão importante para tirar tantos jovens do perigo das drogas”, confessa à Tribuna Independente o homenageado com o nome do espaço. Lauthenay Perdigão lamenta o estado em que se encontra a Vila Olímpica atualmente (Foto: Sandro Lima) Quem se depara a dar uma olhada vê os sinais do abandono logo na fachada onde estão gravados lá o nome de Lauthenay Perdigão e da Secretaria de Esporte e Lazer, antes chamada de “Semel”. Corredora de rua denuncia descaso Quem reforça o relato de descaso da administração da Vila Olímpica Lauthenay Perdigão e sobre  suas  dificuldades para se treinar na pista olímpica do local é Vera Lúcia, 52 anos, corredora de rua,  e acostumada a participar de várias competições oficiais em Maceió e fora de Alagoas. “Treino quase todos os dias dentro do mato mesmo. Só são feitas duas limpezas por ano e com isso o mato cresce absurdamente. O problema é que essa limpeza não é feita com o pó de brita, o que evitaria o mato crescer. É uma limpeza que não segue os dados técnicos como deveria ser para uma pista olímpica”, relata Vera. Vila Olímpica está entregue ao descaso, sem os muros e mato e lixo tomando conta da estrutura que deveria servir à comunidade esportiva da parte alta de Maceió (Foto: Sandro Lima) “Entra o inverno, o mato cresce e eles não usam a máquina para fazer uma capinagem com pó de brita que, com certeza, impediria o mato crescer rápido. Mas não é isso que é feito. Já sofri vários cortes nas pernas por causa desse mato”, completa Vera, ao revelar outro problema decorrente do abandono da Vila Olímpica: “Fora tudo isso, ainda temos que conviver com os muros abertos, por onde entram vários jovens envolvidos com drogas e que muitas vezes nos intimidam”. Deterioração vai do campo de futebol a redes rasgadas da quadra de futsal Numa olhada mais detalhada, constata-se que, com a ação do sol, a tabela da quadra que serviria ao basquete ficou imprestável. A imagem foi registrada pela Tribuna que flagrou in loco o abandono. As redes que servem à quadra de futebol de salão estão rasgadas, e na pista de atletismo em petição de miséria, o mato cresce rápido e inviabiliza o treino daqueles que se arriscam a dar umas corridas e voltas. O campo de futebol metade é de areia e a outra o mato toma conta como se fosse “terra de ninguém”. Vila Olímpica Lauthenay Perdigão hoje em nada lembra a pompa da inauguração em 2010, com a presença de ministro e discursos empolgados (Foto: Sandro Lima) Outro sinal da evidente deterioração do local é que parte dos muros da Vila Olímpica está destruída e é um “convite” para quem quer entrar no espaço para praticar outra coisa bem menos salutar que o esporte: cheirar e fumar todo tipo de droga, segundo relato de pessoas à reportagem. Heróis se arriscam na pista de atletismo Os meninos Williams Manoel, 14 anos, e Jean Carlos, fazem um aquecimento e dão duas voltas naquela que deveria ser uma pista de atletismo olímpica. No percurso, ao invés de uma pista estruturada e devidamente marcada como manda o figurino, os garotos driblam literalmente o mato e o lixo acumulado na pista que a precária limpeza deixou espalhados no local. Os garotos fazem parte do projeto que acolhe cerca de 20 crianças e jovens da comunidade do Village e bairros adjacentes que sonham um dia ser atleta. “Não tive nenhum problema mais sério, mas sempre me corto por causa dos espinhos desse mato”, diz Williams, que mora perto do local. O tutor da turma é o professor de Educação Física Darlan Viana, 38 anos, que trabalha numa escola municipal vizinha à Vila Olímpica e que há dez anos mantém um projeto chamado de “Projeto Atletismo Campeão”, baseado em projeto homônimo do professor pernambucano Abrahão Nascimento, que faz parte da comissão técnica da seleção brasileira de atletismo. Professor Darlan Viana comanda projeto e reclama de descaso (Foto: Sandro Lima) Antes de iniciar o treino com os meninos, Darlan orienta os garotos a utilizar o riscador de pista. Sim, porque a pista olímpica de 400 metros completamente descuidada por causa do mato e o lixo acumulado precisa ser marcada para que os meninos vejam as raias e consigam correr e treinar. O detalhe é que o riscador é um dos equipamentos comprados do próprio bolso pelo professor, uma vez que a Semelj, segundo ele, nunca disponibilizou recursos para a compra e manutenção da pista de atletismo. “O professor Abrahão, lá do Recife, me dá mais suporte que o pessoal daqui (da Secretaria de Esportes)”, diz o professor Darlan, ao queixar-se da falta de apoio da Semelj para o trabalho feito com os meninos. Como não recebe quase apoio nenhum da secretaria municipal, Darlan diz que gasta em média do próprio bolso entre R$ 300 e R$ 400 para continuar o projeto e para a compra de material, como o riscador de pista, por exemplo. “Já tentei por duas vezes uma audiência com o atual secretário e não consegui”, revela o professor. “A pista é de saibro, seria boa, mas se houvesse conservação correta. Mas a limpeza é feita apenas de três em três meses com uma capinação que não resolve. O certo era capinar de 15 em 15 dias, jogar pó de brita e herbicida para conservar esta pista para que tenha condição mínima. Mas a gente não desiste e mesmo deste jeito ainda consigo treinar os meninos”, conta Darlan. Criançada dribla mato e lixo acumulados em plena pista (Foto: Sandro Lima) “Mas ao invés de pó de brita, os caras colocaram outro dia metralha com bastante lixo, ou seja, um descompromisso total com o que seria correto para uma pista olímpica”, reclama Darlan. Mas, mesmo com tanta falta de estrutura, Darlan orgulha-se de alguns bons resultados na sua missão no projeto: “Já conseguimos formar uns quatro meninos da comunidade que começaram por aqui e hoje estão formados com curso superior e tudo”, revela. POMPA A inauguração da Vila Olímpica ocorreu no dia 16 de julho de 2010 com bastante pompa e prestígio. O ministro do Esporte à época, Orlando Silva, e o prefeito de Maceió de então, Cícero Almeida, participaram da entrega do complexo em uma área de 200 mil metros quadrados, anexa ao campus da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Reportagem da Tribuna Independente flagrou redes rasgadas (Foto: Sandro Lima) A promessa era de que o complexo iria proporcionar às crianças do Village Campestre e de outras localidades em torno desse núcleo populacional benefícios com a prática de atividades esportivas a cerca de 1.500 crianças. O problema é que com a troca de gestão de Cícero Almeida para o atual, Rui Palmeira, que assumira em 2012 e que comanda o poder municipal até agora, as coisas na Vila com o passar do tempo foram se desestruturando. Em nota, prefeitura promete reformar complexo Em nota, a Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude (Semelj) informou que já deu início aos trâmites legais para as obras de reforma da Vila Olímpica Lauthenay Perdigão. A previsão é de que os serviços comecem no segundo semestre. Disse que o material esportivo furtado será substituído por novos equipamentos que já foram licitados e devem ser entregues com a reforma. Enquanto as obras não começam, os profissionais da Vila seguem com a agenda semanal de atividades abertas ao público. Tabela de basquete no chão evidencia como é tratado o esporte na Vila Olímpica da capital alagoana (Foto: Sandro Lima) A Semelj informa também que a limpeza no local é feita periodicamente, mas que vai reforçar o serviço nesta segunda-feira (21). O trabalho será executado por equipes da Superintendência Municipal de Limpeza Urbana de Maceió (Slum). Sobre o muro, a Semelj já realizou o conserto duas vezes, mas vai incluir o serviço nas obras de reforma da Vila. O órgão também solicitou à Guarda Municipal o reforço das rondas na região.