Cidades

Mães cientistas. Filhos em campo.

Sem deixar a maternidade para depois e nem abandonar o trabalho científico, professoras universitárias deixam seus filhos participarem da vida profissional

Por Thayanne Magalhães 13/05/2018 15h09
Mães cientistas. Filhos em campo.
Reprodução - Foto: Assessoria
É muito comum encontrar mulheres que adiaram a maternidade por conta da sua carreira profissional. Apesar do sucesso no trabalho e a evolução constante nos estudos, o sonho de ser mãe esteve sempre presente na vida de três professoras universitárias de Alagoas, que conseguiram conciliar os estudos e o trabalho em campo com a criação dos filhos. “Acaba que eles crescem num ambiente científico e tomam consciência da importância de se preservar a natureza”, destaca Nidia Noemi Fabré, professora universitária das Ciências Biológicas e pós-graduação em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos. Nidia Noemi é mãe de Matias Daniel Fabré Batista, hoje com 24 anos. Ela lembra que defendeu a sua tese de doutorado com dois meses de gravidez. “Meu filho sempre me acompanhou em tudo. Essa foi minha escolha, aliás, a nossa escolha, minha e de Vandick, meu marido, também cientista. Trabalhamos juntos desde que nos conhecemos”, lembra. Após defender seu doutorado, a cientista trabalhou em laboratório até o último dia de sua gravidez. “Todos os colegas da época e alunos já ‘curtiam’ o Matias mesmo antes de ele sair da barriga. Nos últimos meses da gestação, eu só não ia para as coletas de campo. Nessa época trabalhava nos grandes rios da nossa bela e extensa Amazônia, por sinal, meu filho é manauara”, conta. [caption id="attachment_99569" align="alignleft" width="350"] Nidia Noemi com seu filho Matias. "Ele sempre me acompanhou em tudo". Foto: Arquivo Pessoal[/caption] “Matias com três meses já ia para o laboratório comigo. Na hora de dormir, colocávamos o carrinho dele no escurinho, debaixo dos birôs. Quando acordava, mamava e tinha um monte de tias e tios para paparica-lo. Ele era conhecido e querido por todos e curtia demais esse ambiente familiar. Como nossas famílias sempre estiveram longe da gente, esse mundo era seu lar. Meus alunos, principalmente os de pós-graduação, muitas vezes foram suas babás. Hoje, para Matias, fazem parte da sua família estendida”, continua. A professora conta que quando Matias tinha 10 anos, ela estava num período de trabalho ativo com manejo participativo de recursos naturais, junto com comunidades ribeirinhas da Amazônia. “Como a maioria das atividades ocorriam nos finais de semana, Matias ia conosco. Na Amazônia tudo é muito, muito distante. A área de estudo ficava na beira do Rio Solimões, onde tínhamos uma unidade flutuante de trabalho. Para chegar na área tínhamos uma hora de carro até a balsa para atravessar o Rio, mais uma hora de carro, mais uma hora de lancha. Para Matias era fascinante. Rodeado de jovens, nossos alunos, e de professores, era para ele uma verdadeira aventura”, lembra a cientista. Como mãe, Nidia Noemi via com orgulho o seu filho aprender sobre trabalho com cooperação e a amar e preservar a natureza. “Durante os trabalhos comunitários, toda a equipe se organizava segundo o grupo alvo: mulheres, pescadores, agricultores jovens e crianças. Matias comandava os trabalhos com as crianças. Sem dúvida essas experiências marcaram a vida do nosso filho. Ele aprendeu que existe outro Brasil, um Brasil invisível para a maioria da sociedade, e, o melhor, acredito eu, que é possível fazer muito para melhorar a vida dessa sociedade que está muito distante do conforto e das benesses urbanas”. A cientista é o exemplo de que a maternidade não interfere na vida profissional ou no crescimento intelectual. Nidia Noemi foi privilegiada por poder atuar profissionalmente dando seu exemplo ao filho. “Sou uma mãe cientista, além das horas formais de trabalho, ainda tem sua cabeça quase que o tempo todo muito voltada para a geração de conhecimento, para as questões que sempre te estão instigando e que não tem horário marcado para aparecer ou desaparecer. Muitas vezes me senti culpada, muitas vezes tivemos que recorrer a profissionais para nos ajudar a encontrar soluções que conciliaram minha vida profissional e com o bem-estar de nosso Matias, mas na maior parte do tempo, estávamos juntos”, relata. “Sempre há algo a ser sacrificado. O maior desafio é nunca sacrificar a qualidade do tempo que passamos com os filhos. Também é importante ter lucidez e tempo para explicar para nossos filhos o que significava aquela vida tão intensa da sua mãe, como ela é importante para nossa realização, e como essa realização é importante também para nossos filhos”, aconselha a cientista. Realização [caption id="attachment_99571" align="alignleft" width="250"] , Tami Mott, está sempre acompanhada das suas duas filhas: Anna, de 5 anos, e Lorena, de 2. Foto: arquivo Pessoal[/caption] A professora universitária descreve o quanto se sente realizada em conseguir conciliar sua vida profissional e os estudos com a maternidade. “Eu me sinto extremamente realizada. Trazer Matias ao mundo, como é para todas as mães, uma grande missão e desafio, crescer e aprender na medida que seu filho cresce, é a experiência mais maravilhosa que tive e tenho como mulher. Ainda hoje, 24 anos depois, continuo crescendo e aprendendo com ele, como mãe, como profissional, como mulher”. Uma lembrança que marcou a vida em campo com seu filho, foi o dia em que a família passava uma noite em uma unidade flutuante às margens do Rio Solimões. “Uma galera ficou jogando linha para pegar uns peixinhos. Matias estava junto e ficaram horas lá de brincadeira compartilhando momentos mágicos que somente a Amazônia pode nos dar. Depois de horas o único que pescou foi meu filho. Ele se sentiu o máximo. E ainda foi um belo e grande exemplar de uma arraia que o pai dele pesquisava e que nunca havia pescado nenhum”, comenta, orgulhosa. Hoje, aos 24 anos, Matias se formou em engenharia de materiais. “Neste momento ele está auxiliando coletas de dados com drones no projeto de pesquisa PELD que professores da UFAL – ICBS estamos desenvolvendo na APA Costa dos Corais de Alagoas. Acredito que Matias não seguira meus passos como bióloga, professora e cientista, mas entendo que ele se criou em um mundo muito diversificado que foi e continua sendo uma verdadeira experiência de vida e sem dúvida marcará seu futuro de forma diferenciada. Tenho muito orgulho dele”, concluiu. Minhas filhas amam serpentes [caption id="attachment_99570" align="alignleft" width="250"] A filha de Tami Mott cuidando de um sapo. Foto: Arquivo Pessoal[/caption] A professora universitária de Zoologia, Tami Mott, está sempre acompanhada das suas duas filhas: Anna, de 5 anos, e Lorena, de 2. De tanto acompanhar a mãe no trabalho e ter contato com os animais, as meninas são apaixonadas pelos répteis. “Antes da chegada de Anna, minha pesquisa incluía muitas idas a campo, principalmente no estado de Mato Grosso. Eu realizava consultorias de anfíbios e répteis, resgate de fauna em empreendimentos hidrelétrico, onde passava quase um mês acampada. Aqui em Alagoas o meu trabalho de campo restringiu algumas idas a Estação Ecológica (Esec) de Murici e a Reserva Biológica (Rebio) de Pedra Talhada, em Pernambuco, mas não acampei. Desde o nascimento de Anna que minhas idas a campo não ultrapassam um dia de duração. Faço questão de ler uma história antes delas dormirem”, relata a cientista. Atualmente, Tami Mott realiza pesquisas de extensão, principalmente sobre mitos e verdade sobre as serpentes, e suas filhas, segundo a cientistas, gostam de participar das palestras. “As meninas adoram compartilhar o que sabem sobre as serpentes e sapos com os colegas. Estimulo o interesse delas quando deixo um banner sobre serpentes de Alagoas pendurado na sala de casa ou quando saímos no condomínio para fazermos o aproveitamento científico de animais que acabam sendo atropelados após chuvas. Elas colocam bota, pegam a sacola plástica e sentem-se cientistas e elas realmente são! Curiosas em aprender e observar a natureza! Anna já sabe manusear  o sapo e tira ele do pote de água dos cachorros, sabe que urina de sapo não cega e adora acompanhar o movimento do bicho quando o colocamos em um lugar ‘seguro’, longe dos cachorros”, conta. Filhas em primeiro lugar Tami Mott gosta de frisar que suas filhas estão em primeiro lugar nas prioridades da sua vida. Por isso, ela sempre faz questão de estar presente e participar da primeira infância das crianças. “Mesmo assim não deixei de fazer pesquisa. Parece que quando a maternidade chega o que a gente aprende a otimizar ainda mais nosso tempo! Acho importante realmente respeitar os primeiros meses e não se sentir ‘culpada’ quando não damos conta de fazer as coisas que fazíamos antes. Hoje quando minhas filhas perguntam o que estou fazendo, e geralmente é preparando aulas, coloco elas no meu colo e apresento minha aula sobre tubarão, sapos, lagartos e serpentes. Quando elas me buscam na universidade, adoram entrar na minha sala de aula e mostrar que sabem sobre os animais”, fala, orgulhosa. [caption id="attachment_99568" align="alignleft" width="250"] Ana Malhado em campo, sempre com as duas filhas. Foto: Arquivo Pessoal[/caption] Poder conciliar o trabalho, os estudos e a maternidade tornou a cientista “completamente” realizada. “Como as meninas são novas, muita coisa pode mudar. Mas com certeza elas estão crescendo e respeitando a natureza. E conscientes de que a presença é o maior presente que que os pais podem ofertar”. Ana Malhado é outra professora universitária que conseguiu conciliar a vida acadêmica e a maternidade. Ela é mãe de Jasmine, de 5 anos, e Beatrice, de 2. As duas acompanham os pais (o marido de Ana também é cientista) e costumam levar as viagens de trabalho como férias. “Quando engravidei da minha primeira filha eu não consegui me afastar da pesquisa, mas me afastei um pouco das disciplinas. Mesmo assim continuei orientando alunos. Eles iam na minha casa”, conta. “Quando ela tinha entre dois e três meses, eu ia para as reuniões com ela no sling e dormia bem. A aceitação dos meus amigos de trabalho e alunos sempre foi muito boa”, continuou. Ana Malhado explica que a vida de pesquisador requer muitas viagens para participar de congressos, reuniões de pesquisas aprovadas e apresentar seminários. “Como nossos pais moram longe, nossas filhas viajam junto conosco. Jasmine já participou de vários congressos em várias cidades do país. Elas já têm até crachá quando chegam nos congressos hoje em dia. As meninas também gostam muito de ir para a universidade e eu sempre preferi trazê-las para o ambiente de trabalho junto com a babá, para poder estar  próxima. Todos as conhecem, desde os professores e alunos, ao pessoal dos serviços gerais. No meu laboratório existe um cercadinho com tapete emborrachado onde elas ficam enquanto eu trabalho”, detalha a cientista. Ana Malhado conta que já levou suas filhas para viagens no Pantanal, em parques estaduais do Rio de Janeiro e até para a Amazônia. “As meninas vão junto nas nossas pesquisas e elas gostam muito. Elas adoram de estar com a gente, viajando ou na Universidade. Se apegam aos pesquisadores, que são seus verdadeiros tios”. É possível unir a maternidade e a pesquisa “Eu acho que é muito possível sim a mãe conciliar a pesquisa, o trabalho, com os filhos. Muitas mães conseguem, apesar de ser muito mais trabalho. Você realmente tem que dar conta de varias coisas: de ser mãe, da pesquisa... Mas é possível e muito gratificantes. Trabalhar e curtir os filhos. Ver eles crescerem juntamente com nossos trabalho. Se eu trabalhasse num lugar que onde elas não pudessem ir ou viajar muito sem poder levar a família, provavelmente eu não ficaria nesse emprego”, diz a cientista. Ana Malhado também participa da rotina escolar das filhas, as levando na escola, buscando no horário de almoço e podendo acompanhar o seu desenvolvimento. Um privilégio sonhado pela maioria, senão, por todas as mães. Consciência ambiental Com a rotina que levam ao lado dos pais, as crianças mencionadas nessa reportagem crescem com mais consciência ambiental. As filhas de Ana Malhado, segundo a cientista, já se sentem pesquisadoras. “A mais velha é uma pesquisadora por si só. Ela adora os bichos. Esses dias achou um inseto diferente, com nariz mais cumprido, que chamou sua atenção. Ela alimenta as lagartas e as vê se transformando em borboletas. Outro dia pegou um sapo ‘gigante’ dentro da nossa piscina e está cuidando dele. Seu bicho favorito é a anta e ararajuba, que é papagaio da Amazônia, e a anta ela conheceu no Pantanal”, conta. E a mais nova, Beatrice, prefere a iguana e o peixe-boi. “Conhecemos os peixes-boi de Porto der Pedras e elas estão encantadas com o trabalho de preservação desses animais. Tenho certeza que essas experiências estão ajudando minhas filhas a terem uma outra vivência de mundo diferente da maioria das crianças”.