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Ariane Félix batalhou pelo “sim” nas redações mas esbarrou na turma do “não”

O suicídio da estudante de jornalismo da UFAL, Ariane Félix, também nos ajuda a mostrar as ilusões em torno da nossa profissão e a competitividade que, nos bastidores, bloqueia caminhos para ascensão profissional e pessoal em Alagoas.

Nem todo mundo busca um outro caminho quando só encontra na sua frente muitos nãos como resposta. Ariane foi uma destas pessoas.

Existem os que tomam espaços em redações ou assessorias como algo muito próprio e definem quem merece ou não ocupar vagas em redações ou assessorias.

Existem profissionais que até “proíbem” a entrada de outros profissionais em locais de trabalho. São profissionais tratados como não gratos, gente que não é bem vinda. E são muitos motivos. Até que o outro – supostamente- tomará a vaga que ele acredita ser dele.

Há chefes nas assessorias que queimam gente nas redações porque “não gosta dele” porque seu assessorado “não gosta dele”.

Existem chefes nas redações “donos das panelinhas”, que seguram as mãos uns dos outros, dão chances ao seu “chegados”. Gente “diferente” não entra.

Ariane batalhou pelo “sim” nas nossas redações cheias de constelações, iluminados e blá-blá-blá.

Negra, da periferia de Maceió. Mulher. Levava o próprio almoço para um dos lugares onde estagiava, o Instituto Zumbi dos Palmares. Comia sozinha na copa.

Muitas pessoas do “não” nas redações alagoanas lamentam a morte de Ariane nas redes sociais.

Amanhã não mudarão em 1 milímetro seus posicionamentos.

Os cursos de jornalismo continuarão criando ilusões. O jornalismo fabricando ilusões.

A realidade é uma fogueira de vaidades. Existem alguns abutres em nossas redações ou assessorias vestidos de falsidades nas redes sociais.

Se alguém da chefia ou de influência no jornalismo ou das assessorias te olhar e não gostar do seu cabelo, da sua cor, da sua posição política, você estará fora.

A greve dos jornalistas alagoanos ajudou também a mostrar nosso sectarismo.

Jornalistas alagoanos de pequenos jornais ou sites não recebem o piso salarial desde sempre.

E desde sempre não tinham carteira assinada.

Mas existem alguns jornalistas dos grandes meios que nunca se incomodaram com isso.

Até que a crise chegou também para eles.

E alguns desses jornalistas exigiam que todos os profissionais da área em Alagoas entrassem em greve. Por eles.

Logo eles que tantas vezes disseram não a pessoas como Ariane Félix.

Vi alguns jornalistas fazendo campanha contra uma jornalista da TV Gazeta por “furar” a greve.

São os mesmos que torcem o nariz a estagiários nas redações e seus salários beirando o ridículo.

Cada jornalista que se acha dono de uma fazenda e diz “não” para outro profissional mata um pouco esse ser humano.

Cada jornalista que mexe na história de vida do outro em nome da própria vaidade, mata um pedaço do outro.

Existem os que estejam seguros nas redações ou assessorias porque fazem o jogo.

E dizem “não” para um monte de gente.

Grato Ariane pelo convite para palestras e por me incluir em projeto seu para a Bienal.

Seja você luz. E perdoe os cegos das nossas redações.

Apesar deles saberem o quê fazem.

6 respostas

  1. Cara, tragam um prêmio para esse jornalista que descreveu com tanta perfeição o que acontece no nosso meio. Também sou estudante de jornalismo, afastada da area e da faculdade por terceiros que viram o potencial que estava tendo em um dos estágios e simplesmente me fez “sumir do mercado”. Hoje, desempregada, mesmo possuindo diversos cursos especializados, experiências vastas e ótimas notas, não consigo em canto nenhum por esta situação.
    Mas além disso, vale ressaltar o que nós (homens e mulheres) enfrentamos também. Certos privilégios e assédio caso você seja bonita, tenha corpão, etc. Como se o currículo não valesse nada e todo aprendizado da universidade popularmente falando, em bosta é a mesma coisa… Triste, lamentável chegar a este ponto.

  2. Texto muito bonito. Concordo plenamente. Sempre que acontece uma tragédia desse tipo os grandes (profissionais e acadêmicos) descem do pódio para lamentar e pregar uma falsa empatia, mas assim que o fogo abaixa, voltam a ser exatamente como eram antes. Quantas vezes já não pensei em desistir de tudo por ser humilhada (não diretamente) por professores que exigiam coisas que minha condição financeira não me permitia fazer e não tinham o mínimo de compaixão. Quantas vezes já vi meus colegas de classe, incluindo a própria Ariane, se sacrificarem para entregar trabalhos absurdos exigidos por profissionais que não demonstram o mínimo de compreensão para com as dificuldades dos alunos, que, quando não conseguem, são taxados de preguiçosos. Inúmeras vezes presenciei amigos terem crises de pânico e ansiedade nos corredores da universidade, nas salas de aula, antes de apresentar um trabalho, simplesmente por conta do peso que é jogado em suas costas. Sem falar das panelinhas de privilégios (por parentesco ou contatos) dentro dos estágios, que tornam praticamente impossível a chegada de novos profissionais ao mercado. Tudo isso somado ao fato de ser mulher, negra, periférica, num mundo onde você não pertence e não cabe em lugar nenhum. Isso tudo vai destruindo e quebrando aos poucos. De 1000, apenas 10 conseguem chegar lá. E, enquanto tentam ofuscar os que obtiveram êxito, ninguém tá nem aí para os outros 990 que não conseguiram.

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