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17/06/2019 às 07h01

Geral

Sal-Gema: a extração de um desastre anunciado

Um laudo apresentado pelo serviço geológico do Brasil aponta a extração de sal-gema em Maceió como a causa de um desastre que provoca rachaduras em imóveis e ruas e pode afundar parte de três bairros da capital. A Braskem nega a responsabilidade.

Poço da Braskem paralisado localizado na Lagoa Mundaú, próximo aos bairros do Mutange e do Bebedouro - Ascom IMA/AL

Por Carlos Amaral e Evellyn Pimentel 

Mais de quatro décadas separam o início da exploração de sal-gema em Alagoas até os dias atuais, período este cercado por polêmicas sobre os possíveis e concretos riscos das operações. Uma das figuras alagoanas que mais se opuseram à implantação foi José Geraldo Marques, ambientalista, professor e pesquisador.

Atualmente, Geraldo Marques vivencia os efeitos colaterais: Além de ter acompanhado toda a instalação e ter sido contrário – na época ele era secretário de combate à poluição do governo Divaldo Suruagy –, Geraldo Marques morou até o início do ano no bairro do Pinheiro, epicentro do processo de afundamento provocado pela mineração.

“Na época as pessoas diziam que eu era doido, diziam que eu era maluco, e outros diziam que eu era místico, religioso, mas não foi nada disso. As evidências eram baseadas em fatos. Eu fui o primeiro, digamos, secretário do meio ambiente do estado. Eu vim do Rio de Janeiro e de início não recebia nada. O resultado foi que eu ganhei de presente e sem esperar o problema da Salgema”, lembra Geraldo Marques.

Apesar de atual, o ambientalista José Geraldo Marques já alertava para os riscos que a mineradora trazia consigo na imprensa desde 1982, após um dos primeiros acidentes que se têm registro nas operações. Passado todo esse tempo, ele reforça e lamenta estar certo.

“Foi a primeira entrevista que eu dei em cima de dados científicos prevendo que poderia haver subsidências em Maceió pela atividade de mineração”, comenta Geraldo Marques se referindo à reportagem de 1982.

Baseado em produções científicas da época e experiências internacionais, o ambientalista se opôs à instalação das operações de mineração na capital alagoana: “Eles diziam ainda que não havia risco nenhum, mas na época já se sabia que toda a indústria de cloro-soda tem probabilidades de riscos, podem se concretizar ou não. Mas são riscos. ”

“Com minha experiência – tenho formação em geologia também – e como secretário, eu tive acesso a informações privilegiadas. Tive acesso a dados de um geólogo extremamente capacitado, que inclusive já morreu. Ele apontou que se a Salgema continuasse furando poços, no futuro nós poderíamos ter, e não era uma profecia, alta probabilidade de subsidências, no plural mesmo, em Maceió. Que se ela continuasse cavando do jeito que ia, haveriam problemas. E era baseado no que a gente chama de segurança hidráulica”, reforça Geraldo Marques.

Dispondo dessas informações, ele conta que foi iniciado um verdadeiro embate em torno das operações.

“Nossos argumentos eram de ordem ecológica, paisagística, geológica, de segurança para cidade e de segurança para a indústria. Porque um dos riscos que a indústria tem é o de explosão, era um risco baixo, mas existia e se concretizou, em 2011 tivemos uma explosão. A primeira explosão que afetou moradores do Pontal tinha labaredas de dez metros, os argumentos que nós tínhamos eram esses. Outro argumento era que ficava muito próximo da cidade, e além do risco de explosão havia o risco de emissão acidental”, relata.

A contraproposta do então secretário à mineradora foi de instalar a fábrica na área do Tabuleiro do Pilar, fora da capital e longe das lagoas Mundaú e Manguaba, mas ele relembra que o pedido foi negado pela então responsável pela implantação, uma multinacional da Suíça.

“Nunca fomos [ele e a equipe] contra a exploração do minério sal-gema, que é um minério abundante em Alagoas como em poucos lugares, e se bem explorado, conduzido e planejado poderia ou poderá contribuir com o desenvolvimento de Alagoas. O primeiro documento da gente era que tudo bem instalar a fábrica, desde que não a implantasse nesse local. Eles já vieram com o projeto de implantar neste local. Oferecemos algumas alternativas, onde caberia aprofundar os estudos e uma dessas alternativas era no Tabuleiro do Pilar, porque ficaria distante de Maceió, uma cidade que hoje tem 1 milhão de habitantes, e também não ficava numa posição entre as duas lagoas. Além disso, não ocuparia a ponta da restinga de Maceió. A nossa objeção era com o local, mas eles não queriam outro”, detalha Geraldo Marques.

As recordações apontam para um cenário de superioridade do estado em relação aos demais pelas grandes jazidas existentes. O ambientalista afirma que à época se falava em “estoque para 200 anos de exploração” para justificar o progresso que a empresa traria, e de fato trouxe, para o setor cloroquímico em Alagoas. No entanto, durante os quatro anos em que Geraldo Marques esteve secretário de combate à poluição, ele não liberou o aval para funcionamento.

“A resposta deles era que só interessaria esse local. Que caso Alagoas não quisesse, eles iriam para Sergipe. Como Alagoas já tinha o trauma de ter perdido a Petrobrás, bastava isso para intimidar. Só que era mentira, porque Sergipe não tinha as condições que a gente tinha aqui, era um blefe. Se decidiu de uma maneira, que num seminário na Ufal, enquanto eu apresentava minhas objeções, um deles se levantou e disse que seria mais fácil tirar Maceió da Salgema, do que a Salgema de Maceió. Então, em contrapartida eu afirmei que enquanto estivesse na Secretaria não daria o aval, passei quatro anos na Secretaria e não dei o aval. Mas eles conseguiram. Conseguiram um aval que até hoje não sei quem deu. Que foi autorizada ad referendum, que para mim é misteriosa até hoje e eles partiram para a implantação”, diz.

Produzida pelo jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), uma reportagem assinada pelos então estudantes Érico Abreu e Mário Lima em 1985 trouxeram uma assustadora possibilidade e que foi recentemente confirmada pelo CPRM. O material surgiu após uma explosão em Ghopal, na Índia, que vitimou mais de 3 mil pessoas e expôs outras 500 mil aos gases tóxicos e alertava para os possíveis riscos da atividade de mineração, que até então era vista com desconfiança pelo meio acadêmico.

“Entrevistamos jornalistas, pessoas envolvidas, fomos à Salgema e nos mostraram como funcionava, o que podia ocorrer de ruim e de bom devido à localização da indústria. Nessa época, uma das coisas que a gente descobriu e que foi mostrado para a gente era que para extrair o sal das cavernas subterrâneas, que boa parte ficava na área beirando a lagoa, Bebedouro, que passa por baixo do Pinheiro. Nós também estudamos sobre isso. Quando se tira todo o sal dela elas ficavam vazias e eles colocavam água para encher, mas que com o tempo poderia haver movimentação e abalos sísmicos decorrentes dessas cavernas. E quando eu vi essa história do Pinheiro eu lembrei de imediato, foi uma espécie de previsão”, relata Érico Abreu.

Esquecida ao longo de mais de três décadas, a reportagem só veio à tona depois que o tremor de 2,4 graus na escala Richter registrado em março de 2018 ocorreu.

“A possibilidade de tremores de terra nas regiões próximas às cavernas deixadas pela extração do sal e o vazamento de substâncias tóxicas nos levaram a classificar a Salgema como uma bomba, que parece inofensiva até o momento em que explode”, comentou Érico Abreu nas redes sociais um dia após o tremor.

Danos ambientais

Após a divulgação do laudo do Ser­viço Geológico do Brasil, a Braskem foi multada pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) em R$ 29 milhões pelos danos ambientais causados e por prestações de informações falsas. Segundo Geraldo Marques os prejuízos vêm se arrastando ao longo das décadas.

“Provavelmente poucas pessoas ouviram falar nas dunas de Tomix. Eram dunas belíssimas e eles tiraram todas. Numa ponta de restinga, que é instável, um fator de estabilidade são as dunas. Entra a questão de segurança ambiental para a própria indústria, e achávamos que eles não iam mexer, mas eles tiraram tudo e na época não existia fiscalização. Quando ouvimos falar, os tratores já estavam devastando”, lembra. “Levantamos os questionamentos, principalmente de segurança, porque essas dunas tinham efeito trincheira, de proteção para a própria empresa no caso de acidente. Mas já haviam retirado, foi aí que após uma reunião tripartite veio a exigência do cinturão verde. Mas não era só esse ‘cintozinho’, queríamos algo que isolasse a indústria da cidade, num grande cinturão verde, que não só inibiria a feiura da paisagem, mas protegeria a cidade”, complementa Geraldo Marques.

Categoricamente, o pesquisador afirma que não se pode isolar a Braskem na responsabilidade dos problemas de agora. E ele também defende que os órgãos de fiscalização também são “culpados”.

“Eu considero que há um vazio confortável para a Braskem e considero o IMA tão culpado quanto. Eles têm conseguido atuar numa ausência completa ou quase completa de fiscalização. E órgãos de fiscalização nós praticamente não temos, porque em toda essa discussão, o IMA tem sido convidado a todos os eventos, audiências e não participa de nenhum. Fiscalização mesmo a gente não tem, mesmo porque, se você procurar nesses órgãos, não tem técnicos com capacidade para fazer avaliação, monitoramento. Não tem”, afirma Geraldo Marques.

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Fonte: Painel Alagoas

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