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Por Marina Falcão — De Maceió


Martins, empresário: “Minha família briga por conta dos negócios, meu pai infartou. Perco o sono pensando em segurança nesse bairro desabitado. Quanto vale isso?” — Foto: Marina Falcão/Valor
Martins, empresário: “Minha família briga por conta dos negócios, meu pai infartou. Perco o sono pensando em segurança nesse bairro desabitado. Quanto vale isso?” — Foto: Marina Falcão/Valor

Ninguém mais tem coragem de subir no primeiro andar da casa, onde ficam os quartos. Antes de dormir, Jucilda junta as camas no térreo da residência, o mais distante possível da escada. “Se o chão afundar, os degraus não caem em cima de mim. Minha neura é proteger o rosto”. Cercada por paredes remendadas, quase sempre a mulher demora a pegar no sono. Ela não sabe se é por causa do silêncio cada vez maior das noites no bairro, mas escuta estalos vindos dos chão da casa.

Tem sido assim na vida de Jucilda Sobral, 51 anos, desde o dia 3 de março de 2018, quando um abalo sísmico atingiu o bairro de Pinheiro, em Maceió, e mais três adjacentes (Mutange, Bebedouro e Bom Parto). O saldo do tremor de terra foram centenas de casas e ruas rachadas, afundamentos em conjuntos de prédios, áreas interditadas, e uma população que até hoje está à flor da pele.

O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) concluiu, em maio do ano passado, que a principal causa para o abalo sísmico era a atividade da Braskem de extração de sal-gema - utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC - nas proximidades dos bairros.

No início do ano, após quase dois anos do tremor, a Braskem anunciou um acordo, envolvendo Ministério Público Federal e Estadual e a Defensoria Pública da União e de Alagoas, para retirar e ressarcir 17 mil das 40 mil pessoas que moram nos bairros.

A Braskem, embora não tenha assumido a culpa, está disposta a apoiar a desocupação de 4.500 imóveis com compensação financeira estimada em cerca de R$ 1,7 bilhão. Mas o problema pode ser maior. O laudo do Serviço Geológico do Brasil apontou 10 mil casas nos bairros sob risco. Uma ação movida pela Defensoria Pública cobra solução para os demais 5.500 imóveis que estão fora do acordo. A ação será julgada pela 3ª Vara Federal de Alagoas, ainda sem prazo definido.

“Minha renda vem exclusivamente daqui”, diz Gracileide, dona de um mercado — Foto: Marina Falcão/Valor
“Minha renda vem exclusivamente daqui”, diz Gracileide, dona de um mercado — Foto: Marina Falcão/Valor

Pinheiro e Bebedouro são bairros de classe média, enquanto Mutange e Bom Parto são pobres. Pelo menos 2.200 famílias já saíram dos bairros - muitas estão recebendo aluguel social da União no valor de R$ 1 mil - e o ambiente hoje é apocalíptico. Vários muros exibem pichações com lamentos e pedidos de justiça para os moradores, animais domésticos foram abandonados, escolas e postos estão gasolina fechados. Sem segurança depois que a luz do dia cai, muitas casas que foram deixadas para trás foram depredadas - algumas em mais de uma ocasião. Das rachaduras nas paredes e chão de algumas casas surgiram infestações de escorpião.

Entre os moradores que ainda permanecem, o acordo com a Braskem está longe de ser consenso. Muitos reclamam que não foram ouvidos e dizem que não querem deixar o bairro sem saber exatamente os valores que vão receber como indenização. “O que mais incomoda é que não nos foi dada uma opção de volta caso o problema com as minas seja resolvido”, diz Geraldo Vasconcelos, líder do movimento comunitário SOS Pinheiro, destacando que os bairros têm localização privilegiada, próxima a uma lagoa e ao centro de Maceió, entre as partes baixa e alta da capital alagoana.

Apesar do medo de morar nas casas rachadas, parte da população acredita de que há solução para o problema das minas e que os bairros não precisariam desaparecer para sempre. Essa crença é alimentada pelo engenheiro geotécnico e ex-professor de geologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Abel Galindo, que foi um dos primeiros a apontar que o abalo sísmico poderia ter sido induzido pela mineração de sal-gema. Ele diz que os bairros podem se tornar habitáveis novamente se os buracos das minas forem fechados com resíduos de perfurações da Petrobras. Se nada for feito, as rachaduras aumentarão um a dois milímetro por mês, afirma o engenheiro.

Segundo a companhia petroquímica, a destinação das áreas dos bairros será decidida em conjunto com as autoridades.

Alguns moradores ainda permanecem em Pinheiro porque dependem economicamente do bairro. “A opção que nos deram é sair ou sair. Mas a minha renda vem exclusivamente daqui”, diz Gracileide Bezerra dos Santos, 56 anos, dona de um mercadinho.

No estoque do seu mercadinho, as mercadorias perderam a validade porque o movimento caiu 50% com esvaziamento do bairro. Sofrendo de depressão e síndrome do pânico desde o tremor de terra, ela diz que não tem para onde ir com os filhos e o marido, e tem recebido ajuda de um psiquiatra voluntário que passou a atender grupos de pacientes na paróquia do bairro, um dos poucos estabelecimentos que não parou de funcionar em Pinheiro.

Para o Subdefensor público-geral do Estado de Alagoas, Carlos Eduardo Monteiro, aderir ao acordo com a Braskem “é percorrer o longo caminho até a indenização de avião e não de carro”. Ele reconhece, no entanto, que há desconfiança por parte da população, mas que isso se deve principalmente ao fato de que nenhuma proposta individual foi apresentada pela empresa até o momento, então os moradores ainda não têm referência dos valores que a companhia está disposta a pagar, o que deve mudar nas próximas semanas.

Os moradores que estão saindo do local entregam as chaves à Braskem, recebem R$ 5 mil de auxílio-mudança e R$ 1 mil de auxílio-aluguel até que a proposta de indenização da empresa seja apresentada, após um período de negociação.

Apesar de considerar que o acordo foi um grande avanço para os moradores, Ricardo Moraes, presidente da comissão especial da OAB de Alagoas, diz que uma elevada judicialização dos casos é quase inevitável. “O problema não é simples de resolver. Entendo que o recurso disponibilizado pode não ser suficiente para cobrir toda a expectativa dos moradores que querem ser bem indenizados pelo dano material e pelo dano moral”, diz Moraes.

Dono de um grande estabelecimento comercial em Pinheiro, Gustavo Martins, 36 anos, diz que está disposto a fechar um acordo com a Braskem, pois “não tem mais forças emocionais para lutar”, mas que vai cobrar por cada funcionário seu que demitir para fechar seu negócio.

No último ano, o empresário demitiu 32 dos 50 funcionários da sua loja, pois o movimento caiu pela metade. “Minha família está brigando por conta dos negócios, meu pai infartou. Perco o sono pensando em segurança nesse bairro cada vez mais desabitado. Quanto vale isso?”, afirma Martins.

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