Topo

Com 12 vezes mais casos em 2 semanas, Alagoas tem alta inédita de covid-19

Ilustração feita pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA representando o novo coronavírus - Handout .
Ilustração feita pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA representando o novo coronavírus Imagem: Handout .

Aliny Gama e Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/05/2020 04h00

Em 15 de abril, Alagoas era um dos estados que poderia se dizer em situação "confortável", com 83 casos confirmados de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Passadas apenas duas semanas, o estado viu um crescimento até agora inédito entre as unidades da federação, saltando para 1.045 pessoas com a doença covid-19, segundo dados oficiais divulgados ontem.

O aumento de cerca de 12,5 vezes — ou 1.159% — surpreendeu até os cientistas que fizeram projeções sobre a quantidade de casos no início do mês de abril.

Outro dado alarmante é o número de óbitos por covid-19 no estado. No dia 15 de abril, Alagoas registrou cinco mortes e, até o meio-dia de ontem, eram 47 — um aumento de quase dez vezes no número de vítimas da doença causada pelo novo coronavírus.

"Ficamos alarmados com isso, porque revela que já estamos em uma transmissão comunitária avançada e que nossos dados ainda são pouco transparentes", afirma Sérgio Henrique Albuquerque Lira, professor do Instituto de Física da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e integrante do grupo de monitoramento dashboard da covid-19 no estado.

A situação em Alagoas ainda não atingiu o pico. Até ontem, 167 dos 380 leitos criados para tratar pacientes com covid-19 estavam ocupados. Porém, em menos de uma semana, esse percentual mais que dobrou, em especial nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva).

O estado ainda tem deficiência em logística, já que a região do Sertão não tem leitos de UTI — apenas em Delmiro Gouveia há dois leitos de unidade semi-intensiva. A ideia do governo é levar os pacientes graves para Arapiraca, na região Agreste, que tem 17 leitos de UTI e fica a 166 km de Delmiro Gouveia, por exemplo.

Aguardando o governo federal

O Estado alega que, até o momento, não recebeu nenhum respirador dos 30 prometidos pelo governo federal. "Essa promessa se estende desde o início de abril. Todos os nossos 126 leitos de UTI foram com respiradores nossos", afirma o secretário de Saúde de Alagoas, Alexandre Ayres. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu quando entregará os equipamentos.

Preocupada com o número de casos em Alagoas, a SAI (Sociedade Alagoana de Infectologia) elaborou dois documentos para contribuir com o combate ao novo coronavírus no estado: uma carta aberta aos gestores e população e uma análise da rede de assistência, esse último exclusivo ao poder público.

Na carta aberta, assinada pelo presidente da SAI, o infectologista Fernando Maia, os médicos dizem que estão preocupados com a "dependência quase que total de transporte em ambulância do tipo UTI móvel, para que os casos graves e críticos cheguem à maioria dos leitos de enfermaria e UTI destinados aos casos de covid-19, uma vez que não há pronto atendimento médico na estrutura do próprio hospital, à exceção do Hospital Escola Hélvio Auto e de algumas unidades do interior do Estado".

"Este é um gargalo importante, considerando a velocidade na evolução para estado crítico, quando da presença de sinais de gravidade, e o número de casos estimados para a população alagoana, que poderá chegar a mais de 4.000 internações em um mesmo dia", alerta o documento.

O infectologista Maia reforça essa previsão "pessimista", se medidas de combate ao novo coronavírus não forem intensificadas, como o isolamento social. "É para intensificar as medidas de prevenção, para que não se tenha a grande explosão do número de casos. A previsão pessimista do trabalho da Ufal de que pode haver 4 mil casos num dia só, para que não aconteça é preciso de trabalho diuturno, tanto da população quanto do poder público em aderir às medidas de isolamento", observa.

Isolamento desrespeitado

Segundo a secretaria de Saúde, parte desse processo pode ser explicado pelo descumprimento em massa do isolamento social, especialmente durante o feriado da Semana Santa, e pelas aglomerações nas portas das agências bancárias, casas lotéricas e supermercados.

O secretário Ayres explica que o governo estuda maiores restrições de acesso aos locais que têm causado problemas à saúde pública de Alagoas.

"A gente tem debatido muito a possibilidade de ampliação das restrições em Alagoas, pois o fim do isolamento vai depender do comportamento da população. Me reuni com representantes do Ministério Público na quinta-feira e cobrei posicionamento sobre o descumprimento das agências bancárias, que têm permitido aglomerações em suas portas, e isso tem trazido grandes prejuízos à saúde pública em Alagoas."

A preocupação não é apenas do poder público. Os números fizeram o diretor médico do hospital Santa Casa de Maceió — que tinha na quinta-feira 72 dos 80 leitos ocupados — gravar um vídeo pedindo, de forma emocionada, para que a população fique em casa. "Na semana passada eu gravei um vídeo e apelei. Hoje eu imploro para que vocês fiquem em casa. Estamos chegando perto do nosso limite", disse Artur Gomes.

Colapso previsto para maio

Com a alta acima do previsto, Alagoas deve enfrentar um pico de casos e o congestionamento da rede pública de saúde antes do esperado.

"Nossas projeções apontam para um provável colapso da rede estadual de saúde na segunda quinzena de maio, já considerando a expansão de atendimento hospitalar máximo anunciada. Isso significa que, apesar de importante para adiar o colapso hospitalar, a expansão do número de leitos por si só será incapaz de atender toda a demanda de internações", afirma o professor Sérgio Henrique.

Ele defende medidas de isolamento mais duras. "É preciso endurecer as condições atuais de isolamento e ter capacidade para colocar em quarentena os infectados, antes que circulem espalhando a doença. Como? Fazendo, por exemplo, uma gestão de casos suspeitos por meio de softwares de monitoramento", finaliza o professor do Instituto de Física da Ufal.