Brasil

Bacia do Rio São Francisco teve o maior desmatamento de Mata Atlântica nos últimos dois anos

Com entrada de água do mar, Baixo São Francisco troca plantações de arroz por criação de camarões
Piaçabuçú, em Alagoas Foto: Expedição São Francisco/Ufal
Piaçabuçú, em Alagoas Foto: Expedição São Francisco/Ufal

SÃO PAULO - O desmatamento da Mata Atlântica tem prejudicado os principais rios do bioma. Das 47 bacias das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos da Mata Atlântica, 35 registraram desmatamento entre 2019 e 2020 e as mais afetadas são as dos rios São Francisco, Jequitinhonha e Pardo, todos com nascentes em Minas Gerais. O mais emblemático é o São Francisco, que atravessa ainda mais dois biomas, cerrado e caatinga, e teve 2.037 hectares de mata suprimidos apenas na Mata Atlântica, que cerca a região das nascentes e foz.

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– A Mata Atlântica age como uma esponja. Absorve a umidade do ar dos rios voadores, vindos da Amazônia, reabastece aquíferos e eles afloram em nascentes. Nos temporais, a vegetação evita erosão e assoreamento dos rios. No litoral, a restinga e o mangue seguram a erosão costeira – explica Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica, responsável pelo levantamento, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Malu afirma que o São Francisco concentra conflitos em razão dos diversos usos – geração de energia, navegação, produção de alimentos e pesca – e sofre ainda impacto da mineração. Um dos seus principais afluentes, o Paraopeba, foi tomado pelos rejeitos do desmoronamento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em 2019. Em seus cerca de 2.800 km estão instaladas nove hidrelétricas – a mais próxima da nascente é Três Marias (MG) e a última é Xingó, na altura de Piranhas (AL). Em seu curso há grandes produtores de sementes e frutas, além de monoculturas, como cana de açúcar, e pastagens.

Dos 507 municípios que compõem a Bacia do São Francisco apenas um tem 100% de esgoto tratado. Trata-se de Lagoa da Prata (MG), um dos 115 que ficam às margens da calha do rio. A revitalização do Rio São Francisco, promessa para a transposição das águas, quase não saiu do papel. A expectativa é que o tratamento total do esgoto alcance quatro municípios da Bacia em dois anos.

– A Mata Atlântica é estratégica para garantir o equilíbrio da água doce. Se perde vegetação na cabeceira, a água não chega ao restante da bacia. O rio perde volume e o mar vai adentrando no leito – explica Malu.

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No Rio São Francisco a intrusão da água salgada já é uma realidade. Segundo Emerson Soares, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a região do Baixo São Francisco, área mais próxima à foz, entre Alagoas e Sergipe, é a mais prejudicada e recebe o aporte de todos os problemas ao longo da calha do rio.

– A intrusão salina já está a 17 quilômetros do estuário. Em Piaçabuçu (AL) a água não é mais doce. É salobra. A vegetação sentiu o impacto das águas salgadas e a região sofre com um grande processo de erosão – diz ele.

Soares conta que o cultivo de arroz teve de ser abandonado em Piaçabuçu e comunidades vizinhas e agora as áreas estão sendo usadas para carcinicultura (criação de camarões em viveiros). Novas áreas estão sendo desmatadas para plantio de coqueiros, que também substituem os arrozais. Como o controle da vazão da água do rio agora é das hidrelétricas, o rio baixou ainda mais, explica.

Soares diz que muitas lagoas marginais, que eram berçários de espécies aquáticas, desapareceram. Peixes antes endêmicos, como surubim e curimatã, deixaram de existir. Mesmo animais terrestres, como o gato do mato, já estão migrando, já que precisam de água doce para beber.

O professor afirma que a foz do São Francisco ainda terá novos impactos. A apenas 40 km dela, mar adentro, estão sendo instalados 11 poços de exploração de petróleo. A previsão é que a atividade se inicie ainda em 2021.

– Se houver um vazamento a maré vai levar o óleo para dentro do rio, que não tem força para chegar no mar. Temos ali também o quarto maior banco de camarões do Brasil e 60% das espécies costeiras se reproduzem no manguezal do São Francisco – diz ele.

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Malu lembra que Minas Gerais , que abriga várias nascentes, tem sido o estado recordista na supressão de Mata Atlântica. Uma das causas é a produção de carvão. Houve ainda as tragédias de desmoronamento das barragens de mineração – além da Vale, a do Fundão, em Mariana, que atingiu o Rio Doce, a sexta bacia com maior desmatamento de Mata Atlântica entre 2019 e 2020.

No Paraná, que sofreu com seca e racionamento, o Rio Iguaçu perdeu 1.183 hectares de mata nativa.

– Mesmo a grave crise hídrica que o país enfrenta e as mudanças climáticas não foram ainda suficientes para levar o Brasil a fazer um planejamento estratégico de proteção de cabeceiras de rios e zoneamento econômico das bacias hidrográficas. Estamos numa mega crise e, ao mesmo tempo, vemos o desmonte da legislação ambiental – diz ela.

No bioma Mata Atlântica, o caminho tem sido a restauração. Malu afirma que os remanescentes, que chegaram a apenas 7% do total do bioma, hoje já alcançam 15% em razão do plantio de espécies nativas. Segundo ela, para atingir a meta do Pacto pela Mata Atlântica, porém, é preciso restaurar pelo menos 31 milhões de hectares.