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Por popularidade, políticos 'furam' prefeituras em anúncios de vacinação

Alan Carrera/ Pixabay
Imagem: Alan Carrera/ Pixabay

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

09/08/2021 04h00

Prefeitos de todo o país estão usando suas redes sociais particulares como "fonte oficial" de informação para anúncios relacionados a avanços de grupos ou faixas etárias da vacinação contra a covid-19.

O UOL visitou páginas do Twitter de prefeitos de capitais e de governadores e viu que a maioria adotou a estratégia de anunciar em primeira mão a inclusão de novos públicos da vacinação, sempre antes das páginas institucionais.

Pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações), cabe a governos federais e estaduais o envio de doses das vacinas, mas tanto a aplicação quanto a definição de público atendido a cada nova remessa é da alçada municipal.

Um exemplo está na capital mais avançada em termos de idade do país, São Luís. O prefeito Eduardo Braide (Podemos) anunciou em seu Twitter o início da vacinação da faixa etária de 12 anos às 14h34 da última quinta-feira (5).

Já o perfil oficial da Prefeitura de São Luís só veio fazer o mesmo anúncio em uma postagem quase três horas depois, às 17h25.

O caso de Braide não é isolado e se repete em quase todas as capitais. Poucos repostam publicações oficiais e sempre optam por dar a novidade de inclusão de novas faixas em primeira mão.

O prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (DEM), divulgou um vídeo no dia 4, às 19h27, anunciando que mulheres com 32 anos ou homens com 33 poderiam se vacinar na sexta seguinte.

A mesma informação só estava no Twitter da Prefeitura de Florianópolis na manhã do dia 5, em postagem feita às 9h32.

Medida questionável

Para o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, esse tipo de atitude viola o princípio da impessoalidade no serviço público.

"Eles estão anunciando algo relevante à população. Em vez de anunciar primeiro pela [página da] prefeitura, é a rede dele a primeira a ter a informação —o que faz com que as pessoas acabem seguindo mais, retuitando mais e comentando mais na [postagem] de quem der o 'furo'", afirma.

Segundo o diretor, os políticos acabam, com isso, tendo vantagem ao ganharem mais seguidores nas redes sociais. "Você gera um benefício pessoal para ele. No fundo, ele está obtendo o benefício individual, que é a melhorar sua posição nas redes. Eu acho isso ruim", comenta.

O problema não é tuitar, porque é importante que as lideranças políticas incentivem a população a se vacinar. O problema é inverter a ordem. Se isso está acontecendo e o 'furo' está vindo no perfil pessoal, significa que eles estão aproveitando um serviço, uma informação de utilidade pública, para reforçar o engajamento e o número de seguidores do seu perfil.
Manoel Galdino, diretor da Transparência Brasil

Para Galdino, seria necessário regulamentar o uso de perfis públicos e particulares. "Eu acho que tem uma brecha aí com as redes sociais. Falta uma regulação sobre como o princípio da impessoalidade na prática deve ser respeitado para que você não tenha um uso da administração pública, da política pública para beneficiar um político individualmente", pontua.

Busca por popularidade

Para a professora e pesquisadora de comunicação da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) Lídia Ramires, é inegável que os políticos buscam mais popularidade nas mídias sociais —e os anúncios de públicos para vacinação são boa estratégia para isso.

"A agilidade, o alcance, o poder de circulação, além da possibilidade de criar sua própria narrativa dos fatos --quase sempre sem contraponto--, são as principais estratégias. A impressão que se cria é de proximidade total com o público", diz ela, que é coordenadora de Comunicação do Observatório de Políticas Públicas para o Enfrentamento da Covid-19 em Alagoas.

O que antes tinha que ser via veículos de comunicação, e barganhas para as liberações de concessões, hoje se dá pelo aparente diálogo dessas figuras públicas e suas seguidoras e seguidores.
Lídia Ramires, pesquisadora da Ufal

Ramires destaca ainda que esses perfis, apesar de pessoais, são normalmente gerenciados por profissionais contratados. "São perfis pensados, trabalhados e gerenciados, cada vez mais, por profissionais e até equipes. Ali tudo é pensado: conteúdo, horário de postagem, enquadramento, tipo de imagem, trilha", explica.

Sobre a "confusão" entre perfis institucionais e dos governantes, ela diz que é uma estratégia que tem como objetivo personificar as ações.

"Ou seja, não é mais a prefeitura, agora é a prefeita ou prefeito que consegue as doses e as vacinas para a população. Essas imagens e narrativas serão amplamente utilizadas nas próximas campanhas. Considerando que vivemos em bolhas virtuais, a circulação dessas narrativas é quase sempre a mesma, dando a ilusão de que, se todo mundo fala daquilo, compartilho aquilo, posta aquilo, só pode ser verdade", explica.

A pesquisadora também concorda que existem problemas éticos nesse tipo de comunicação. "Canais oficiais de comunicação deverão ser sempre a primeira opção para a busca de informações. Mas precisam ter essas informações, preferencialmente, antes da figura no comando. A legislação do serviço público trata dessas questões em seus princípios, mais especificamente quanto à publicidade e à impessoalidade", finaliza.