• Marcela Guimarães
Atualizado em

Policiais militares femininas, bombeiras  e integrantes das polícias Civil, Penal e da Perícia Oficial que atuam em Maceió revelam, em pesquisa, conviverem com casos de importunação sexual, assédio sexual e moral no exercício da profissão. O levantamento, realizado pela 62ª Promotoria do Ministério Público do Estado em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), ganha relevância por ser um dos poucos no Brasil realizados com mulheres profissionais de segurança pública em seus ambientes de trabalho.

 

Stand up contra o assédio (Foto: Getty Images)

Stand up contra o assédio (Foto: Getty Images)

A pesquisa - que virou o projeto “Mulheres em Segurança: ASSÉDIO NÃO!”  -  vai além de identificar a existência de assédio nas corporações: tem como objetivo também provocar campanhas de conscientização e iniciativas de enfrentamento e responsabilização em cada uma das instituições envolvidas, de acordo com os autores do estudo.

Na Polícia Militar, por exemplo, os dados demonstram que mais de metade das mulheres que responderam à pesquisa (52,4%) já foram vítimas de assédio sexual. A porcentagem é expressiva quando os dados são comparados com os poucos casos levados até a Corregedoria da PM em Alagoas: apenas quatro nos últimos cinco anos.

A pesquisa revela que, ainda entre as policiais militares, a maior parte dos assédios foram ou são praticados no ambiente de trabalho (40,2% das entrevistadas). E 7,9% das mulheres relataram terem vivido casos de importunação enquanto estavam em  serviço pelas ruas.

Um dado merece destaque: entre as policiais militares participantes da pesquisa e que vivenciaram situação de assédio, 44,4% foram vítimas de um superior hierárquico. Outras 22,2% das PMs entrevistadas disseram ter sido importunadas por colegas de mesmo nível hierárquico.

O levantamento traz relatos dos assédios sofridos, sem revelar a identidade ou patente das vítimas. Convites e insinuações reiteradas para ter envolvimento sexual com superiores hierárquicos são constantes.

Num dos depoimentos - que não revelam identidade ou patente - uma policial conta que um superior hierárquico tentou beijá-la à força na delegacia, durante a realização de um procedimento na sala de espera. Outro diz que uma policial precisou ser transferida de unidade por conta do assédio do comandante da unidade, que insistentemente tentava “conquistá-la, mesmo sabendo que se tratava de uma mulher casada, com filhos”.

“Minha amiga foi assediada na minha frente por um superior. Na hora ficamos sem reação, quando procuramos uma oficial para informar a situação, ela apenas disse ´Você deve ter provocado ele, não é?´”, conta um terceiro depoimento.

O assédio também vitimiza integrantes femininas do Corpo de Bombeiros: quase a metade das 98 mulheres que responderam à pesquisa (46,9%) já foram vítimas de assédio sexual. A maior parte dos assédios (35,7%) ocorreu no trabalho.

“Meu superior hierárquico, na época capitão, me convidou para uma confraternização do quartel e perguntou se eu bebia porque ele queria que eu ficasse embriagada para me beijar. Na época eu era soldado e ele falou isso na frente de um sargento. Esse mesmo capitão me colocava de serviço mais vezes no mês e em todos os finais de semana, diferente das outras mulheres com quem conseguia ter ‘proximidade’. Além de ter ameaçado me transferir para o interior, na frente dos meus colegas. Eu sempre respondi à altura e não me intimidei, mas sofri um tratamento diferenciado por isso e não tinha a quem recorrer. Também fui vítima de comportamento sexual inadequado, procurei uma aspirante que disse que ia exigir apuração. Mas depois foi convencida pelo comandante da unidade, que era um homem, a desconsiderar o fato”, revela uma das bombeiras no levantamento.

Das policiais civis que participaram da pesquisam, cerca de 1/3 (34,4%) já foram constrangidas por um superior hierárquico ou agente de ascendência inerente ao exercício do emprego/cargo/função em práticas de assédio sexual ou comportamento de cunho sexual inadequado. No entanto, não existem registros de casos de assédio na Corregedoria da Polícia Civil.  28,7% dos casos de assédio sexual aconteceram no local de trabalho.

Segundo o levantamento, embora a estrutura da Polícia Civil não seja marcada por hierarquias no modelo militar, há chefias que também configuram ascendência, o que propicia maior vulnerabilidade das mulheres policiais civis que são chefiadas por homens.

“Quando fui vítima de comportamento de cunho sexual inadequado não denunciei porque tive a certeza que iria servir de piada e chacotas dentro da própria instituição, daí fiz de conta que não via os vídeos de pornografia que estavam colocando no meu computador de trabalho e contei apenas para um familiar, pois, apesar de desconfiar, não tinha como provar que foi o colega do qual eu desconfiava que estava colocando os vídeos”, relata uma das entrevistadas.

Relatos de importunação sexual, assédio ou comportamento sexual masculino inadequado também são relatados por integrantes da Polícia Penal e por peritas criminais. Ao todo, o levantamento ouviu 24,64% das mulheres integrantes da PM em Maceió.  No Corpo de Bombeiros, a participação foi de 74,24% do universo feminino e  61,61% entre as integrantes da Polícia Civil. Entre as profissionais da Perícia Oficial, a adesão foi de 93,84%, e na Polícia Penal, de 39,42%.

O Ministério Público já expediu uma recomendação, publicada no Diário Oficial, para que os órgãos ligados à Secretaria de Segurança Pública adotem providências urgentes para combater a importunação e assédio sexual nas corporações, monitorem os casos e atuem na investigação.