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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Patrimônio de Alagoas, sururu sofre com espécie invasora e some de lagoa

Sebastião da Paixão chega após mais uma tentativa em vão de encontrar sururu na lagoa Mundaú, em Maceió - Carlos Madeiro/UOL
Sebastião da Paixão chega após mais uma tentativa em vão de encontrar sururu na lagoa Mundaú, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Colunista do UOL

28/08/2022 04h00

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Quem mora ou já visitou Alagoas sabe que o sururu é uma tradição na culinária local. Ao mesmo tempo, também é uma fonte de renda para quem vive às margens da lagoa Mundaú. Mas, de uns meses para cá, o tradicional molusco alagoano —que é patrimônio imaterial do estado— sumiu da lagoa.

Desde as chuvas de junho, o sururu de Alagoas não é mais encontrado na lagoa Mundaú, deixando pelo menos 3.000 pessoas sem o sustento gerado pela pesca e tratamento do molusco. Ao mesmo tempo, uma espécie invasora de origem ainda incerta ganhou terreno e ameaça tomar o local, numa disputa com a espécie nativa.

O pescador Petrúcio Ferreira da Silva, 62, pesca o sururu desde os 7 anos de idade na lagoa Mundaú e conta que nunca viu um momento como esse. "Cheguei aqui quando nada ainda existia. Hoje você sai para lagoa e não tem nada. Nunca vi uma crise dessa", diz.

A ameaça é um bivalve (classe de moluscos que vivem tanto em água doce como em salgada) da espécie Mytlopsis sallei. Ele tem origem na América Central, mas está distribuído em diversos ambientes estuarinos pelo mundo.

"Há um risco porque é uma espécie que está se adaptando aqui, e o sururu está com depleção [queda no número]. Existe, sim, um grande risco de essa espécie invasora se adaptar bem e começar a disputar e dominar o alimento e o espaço desse sururu", conta o pesquisador Emerson Soares, que é professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

Bivalve Mytlopsis sallei tirado da lagoa Mundaú, em Maceió: a invasora - Emerson Soares/Arquivo pessoal - Emerson Soares/Arquivo pessoal
Bivalve Mytlopsis sallei tirado da lagoa Mundaú, em Maceió: a invasora
Imagem: Emerson Soares/Arquivo pessoal

Problema será informado ao MPF

Emerson Soares diz que a hipótese mais provável da chegada desse invasor é que ele tenha vindo de água de lastro nos navios durante o tráfego do porto de Maceió. "Tem outras hipóteses, como ser trazido pelas correntes, ou trazido e despejado por alguém na lagoa, mas são alternativas menos prováveis", diz.

Por conta da nova ameaça —e da cadeia de problemas que ele pode gerar—, o pesquisador diz vai levar o caso ao MPF (Ministério Público Federal). "A gente vai fazer um estudo do impacto dessa espécie em relação à espécie nativa. Vamos ver também a toxicidade e fazer a avaliação da qualidade nutricional dele", relata.

Quem mora no local e trabalha com pesca afirma que o "sururu branco", como foi chamado, não tem valor de mercado e, quando pescado, é descartado de volta.

Sobre o desaparecimento do sururu, ele explica que o molusco já vinha sofrendo com uma forte pressão por conta dos poluentes e pesca sem controle, mas a situação se agravou após as fortes chuvas em junho e julho em Alagoas.

"Essas chuvas diminuem a salinidade da água. Com os sedimentos vindos dos rios, o sururu fica sem oxigênio, sem alimento e morre. Além disso, ali não há uma cadeia estruturada, somado ao esgoto jogado", afirma.

A lagoa Mundaú faz parte de um complexo de 27 km² de profundidade média, que hoje não ultrapassa os 2 metros. Ela banha Maceió, Coqueiro Seco e Santa Luzia do Norte. "Essa baixa profundidade ocorre devido à quantidade de matéria orgânica, lixo, esgotos, resíduos e principalmente sedimentos que são levados pelo rio Mundaú e se acumulam lá", afirma Soares.

Apreensão de quem depende da pesca

Sem o sururu, a comunidade está apreensiva. Nesse momento de escassez, a população da orla sofre com prejuízos e falta de renda, como é o caso de Petrúcio Silva.

"Sou aposentado, estou recebendo R$ 750 por mês, porque estou pagando empréstimos que tirei para comprar rede e material de pesca. Agora está ruim, não tenho mais a renda da pesca e, quando pago as contas, fico com R$ 20", conta.

 Petrúcio Ferreira da Silva: 'Nunca vi uma crise dessa' - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Petrúcio Ferreira da Silva: 'Nunca vi uma crise dessa'
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Situação idêntica à de Sebastião da Paixão, 32, que é casado e tem três filhos. "Todo mundo aqui dependia do sururu. Sem ele, nossa renda desaba", conta ele, que sobrevive hoje apenas do Auxílio Brasil.

"No verão eu aproveite e comprei uma rede nova para pescar, depositei as esperanças nisso. Mas está devagar, nem outros peixes que tinham aqui a gente consegue pescar, só vem pequeno", relata.

3 mil afetados

Quem ajuda a comunidade com cestas básicas e outros serviços sociais é o instituto Mandaver, que tem as favelas e moradia da orla lagunas como área de atuação.

A presidente da ONG, Lisania Pereira, afirma que pelo menos 3.000 pessoas na margem da lagoa dependiam do sururu. "Isso fora os empregos indiretos da cadeia do sururu. Das pessoas que trabalham, 70% são mulheres", diz.

Na comunidade, há uma divisão de tarefas: enquanto em regra os homens saem nos barcos para pescar, as mulheres tratam o sururu em um processo chamado de despinicar (que é tirar o produto do molusco de dentro da casca). O produto era vendido a comerciantes ou mesmo em bancas montadas na orla lagunar.

Vista da lagoa Mundaú, em Maceió: Sururu virou coisa do passado - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Vista da lagoa Mundaú, em Maceió: Sururu virou coisa do passado
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

"A falta do pescado tira 100% da renda dessa comunidade, que rende ali entre R$ 350 a R$ 400 por mês", afirma.

O impacto socioeconômico é amplificado porque esses homens e mulheres não têm escolaridade, nem experiência em nenhuma área, o que dificulta inserir eles no mercado de trabalho."
Lisiane Pereira, presidente do instituto Mandaver