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Chamar nordestino de 'pau de arara' é preconceituoso, dizem professores

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

04/02/2022 14h36

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou ontem a usar um termo pejorativo para tratar o povo nordestino. Durante sua transmissão semanal ao vivo ontem, ao perguntar a pessoas presentes no local sobre o local onde fica o padre Cícero, questionou os assessores: "está cheio de 'pau de arara' aqui e não sabem que cidade fica padre Cícero?" Detalhe: na mesma fala, ele erra ao dizer que o padre cearense seria de Pernambuco.

Professores de ciências humanas ouvidos pelo UOL avaliam que o uso do termo remete a um histórico preconceito ao Nordeste e ao nordestino pelo menor grau de de desenvolvimento que a região teve ao longo de décadas —e por isso mesmo não deveria mais ser usado.

Pau de arara, na verdade, nasce de uma denominação ao transporte de aves em carros: elas vão em cima de um pau. Depois, ele passou a remeter ao transporte que faz viagens ilegais em carrocerias de caminhões com estrutura improvisada e passageiros em cima de tábuas de madeira. Era esse tipo de transporte que levava retirantes da seca no Nordeste ao Sudeste do país —e daí nasce o termo.

O termo foi ficando conhecido e ilustrou até canções, como "Último pau de arara", de Luiz Gonzaga. Porém, no Nordeste, ele serve apenas para denominar o transporte nunca para chamar o nordestino.

Migrantes nordestinos embarcam no veículo 'pau de arara', em maio de 1958 Imagem: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã

A professora do Departamento de Letras da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Siane Góis, confirma que a origem do termo é uma derivação do transporte de aves feito para feiras na região.

"A origem primária dele diz respeito a esse transporte de araras e papagaios, por exemplo, em condições ruins para o comércio: elas iam em cima de um pau. E o termo migra para denominar o transporte coletivo precário dentro do Nordeste", explica.

Um termo migra de um contexto e vai ganhando novas entonações. Assim, 'pau de arara' passa a ser a forma de se chamar nordestinos. Isso começa após aqueles êxodos rurais, em que o transporte era feito nessas condições precárias. Com o passar do tempo, as pessoas passam a ser tratadas dessa maneira completamente pejorativa".
Siane Góis, UFPE

Para ela, o preconceito linguístico sempre tem uma origem social. "Quando você chama um nordestino de 'paraíba', de 'pau de arara', de 'cabeça chata', traz todo um processo de estigmatização de uma região mais desenvolvida, que teve mais recurso público, contra pessoas de regiões desfavorecidas", completa.

A historiadora e professora da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), Caroline Lima, lembra ainda que o termo 'pau de arara' chegou a tratado pelo folclorista Câmara Cascudo como "meio de transporte que marcou a itinerância da população nordestina, o lugar da algazarra".

"Em seu livro 'A invenção do Nordeste', Durval Muniz de Albuquerque Junior relata como se construiu um estereótipo que marcou e marca ainda a caracterização dos e das nordestinos(as) em outras regiões do país, principalmente o Sul e Sudeste. São estereótipos que marcam a constituição do preconceito e do racismo regional", conta.

Para ela, o preconceito ao nordestino é um processo de décadas de exclusão social. "'Pau de arara' marca a travessia e a esperança de dias melhores para a população que fugiu da seca, que buscou trabalho e acesso a direitos, já que o estado brasileiro, desde o império lusitano, nunca investiu ou deu a devida atenção ao sertão".

Para o antropólogo e professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Bruno César Cavalcanti, o termo pau de arara pode ter usos não preconceituosos, mas somente quando se trata em denominar o veículo, e não o nordestino.

Você tem a canção popular famosa de Luiz Gonzaga e de outros compositores que falam do 'pau de arara', mas como meio de transporte --sem que isso acarrete uma atribuição negativa. O negativismo aparece na atribuição humana, definir o ser humano como pau de arara".
Bruno César Cavalcanti, Ufal

Ele atribui o preconceito ao nordestino em regiões mais ricas como uma derivação do preconceito aos pobres. "Existem outras denominações para generalizar os nordestinos de qualquer de qualquer matriz. O 'pau da arara' seria também uma forma de o nominar associando à região pobre, ligando o sujeito à condição de pobreza. Esse termo tem esse tratamento classista e preconceituoso", pontua.

Outros casos

Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro tratou nordestinos com um termo pejorativo e preconceituoso.

Em julho de 2019, em conversa flagrada com o ministro Onyx Lorenzoni em Brasília, ele usa o termo 'paraíba' ao se referir a governadores nordestinos. "Dentre os [ou aqueles] governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara", afirmou.

Em agosto daquele mesmo ano, ele fez outra referência pejorativa aos nordestinos em conversa com deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), em visita à Sobradinho (BA), dizendo que "só está faltando crescer um pouquinho a cabeça" para ser nordestino.

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