INFORME: Peixe-leão ameaça águas rasas do Nordeste do Brasil

17 de março de 2022 - 11:46

 

A temida ameaça ao litoral cearense agora é realidade. Oito indivíduos de peixe-leão (lionfish), espécie exótica e invasora dos oceanos Índico e Pacífico, foram capturados no Norte do Ceará, em expedição inédita e parceria com 12 pesquisadores sob a coordenação do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), e pescadores dos municípios de Camocim e Acaraú.

As capturas aconteceram nos dias 12 e 14 de março, sob a liderança do pesquisador Marcelo Soares e coordenação de campo do pesquisador Tommaso Giarrizzo, com a colaboração de uma equipe de pescadores de Camocim e vila de Barrinha, mais o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).

Esta é a quarta captura no Brasil de peixe leão e, até agora, a que identificou a maior concentração do peixe invasor no litoral brasileiro. Dos oito indivíduos, um foi encontrado no município de Camocim e outros sete no mar de Acaraú, Cruz e já no Parque Nacional de Jericoacoara, em Jijoca.

O pesquisador do Labomar, Marcelo Soares, revelou que a espécie vem se espalhando pelos mares do planeta nas últimas décadas, é um predador agressivo de outros peixes e invertebrados marinhos, além de ser um animal peçonhento, que possui 18 espinhos venenosos, capazes de provocar acidentes. Ele destacou que o peixe leão não tem predadores naturais, a espécie se reproduz rapidamente e é considerada uma das espécies invasoras de maior risco global, sendo capaz de causar elevados prejuízos ambientais e socioeconômicos. “Além disso, por sobreviverem em diferentes habitats e alcançarem grandes profundidades (de 1m a 100m), o manejo das populações invasoras é difícil. Mesmo com programas de capturas intensas em zonas rasas, visto que a espécie pode se reproduzir em águas mais profundas, o controle tem sido um desafio no Caribe e no Mediterraneo onde a espécie já é invasora”, realçou.

No total, mais de 10 indivíduos foram registrados no litoral dos municípios de Luís Correia e Cajueiro da Praia, no Piauí, além de Camocim, Acaraú e Jijoca de Jericoacoara (CE). Esses animais foram encontrados inclusive na Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba e no Parque Nacional de Jericoacoara, de acordo com o pesquisador Tommaso Giarrizzo, o que segundo ele é um agravante a mais, porque a ocorrência foi registrada em unidades de conservação, aumentando o risco ecológico da invasão para a biodiversidade brasileira.Marcelo Soares também ressaltou que a captura no Ceará não se trata apenas do primeiro registro de peixe-leão no litoral do nordeste brasileiro, como a ocorrência mais rasa no Brasil, tendo sido encontrados em profundidades que variaram entre um a nove metros. “É muito preocupante que esses registros sejam em ambientes rasos porque pode significar que o peixe-leão já está espalhado por outras regiões do país”, pontuou. O professor comentou ainda que “estes resultados demonstram que o processo de invasão pode ser bastante rápido, afetando a biodiversidade local, a pesca artesanal, o turismo, sendo também um problema de saúde pública”.

Tommaso Giarrizzo, que coordenou a expedição com o grupo do pescador e mergulhador Alexandre Carvalho, ponderou que “as ações de gestão ambiental precisam ser imediatas e urgentes, considerando que a região tropical afetada tem a maioria dos recifes de corais do Atlântico Sul e um alto nível de endemismo, o que aumenta os riscos de ameaça às espécies nativas brasileiras”.

O detalhamento sobre as informações das capturas e registros do peixe leão já está em manuscrito pronto e será submetido a revista científica internacional.

Recentemente, o peixe-leão foi encontrado no Brasil, primeiramente com dois indivíduos capturados no RJ (2015-2016), porém não se confirmou se era uma invasão natural ou soltura de exemplares do mercado ornamental. Mais recentemente, em 2020, no arquipélago de Fernando de Noronha (um indivíduo capturado vivo via mergulho autônomo) e nos recifes da foz do Rio Amazonas (mais dois, pela pesca), entre os estados do Amapá e Pará. Hoje para as duas regiões já foram avistados e capturados mais de 50 indivíduos, confirmando a invasão em águas brasileiras.

Marcelo Soares alerta que, caso alguém aviste ou tenha informações sobre o peixe leão no Brasil, pode repassar os dados através do SIMAF (https://simaf.ibama.gov.br/) ou entrar em contato com cientistachefesema@gmail.com. “Se você é um pescador, não devolva o peixe-leão para o mar. Busque os órgãos competentes e informe o acontecido, pois é preciso monitorar essa espécie. Também ressaltamos que o peixe-leão é venenoso, podendo inocular veneno pelas nadadeiras dorsais e, por isso, não deve ser manipulado sem proteção. Indicamos para mais informações o guia elaborado pelo ICMBio (https://www.icmbio.gov.br/cbc/images/stories/Guia_Estrat%C3%A9gico_Peixe-Le%C3%A3o_2.pdf) ”, salientou.

A equipe de 12 pesquisadores, disse Marcelo, mesmo sem recursos financeiros específicos para essa ação, está buscando analisar hipóteses sobre a origem da invasão, bem como dados de distribuição e impactos. Os resultados e evidências obtidas serão amplamente divulgados. “Gostaríamos de ressaltar e agradecer o apoio dos pescadores artesanais do litoral do Ceará e do Piauí, que estão nos ajudando a encontrar os locais onde o peixe-leão pode estar. Esse esforço dos pescadores é digno de reconhecimento”, acrescentou. Além disso, os pesquisadores chamam atenção para uma necessidade urgente de ação do Governo Federal via IBAMA e ICMBio no mar brasileiro em parceria com as Universidades, Marinha do Brasil, ONGs, comunidades costeiras, pescadores, mergulhadores, Governos do Estado e Municípios para o combate imediato a essa espécie, em especial nos municípios relatados e em novos locais para fins de prevenção.

Fortaleza, 16/03/2022

 

Marcelo O. Soares 1, 2 *, Caroline V. Feitosa 1, Tatiane M. Garcia 1, Tallita C. L. Tavares 1, Kelly Ferreira Cottens 3, Sandra Paiva 1, Lívio Moreira de Gurjão 4, Pedro Henrique Cipresso Pereira 5, Carlos E. L Ferreira 6, Pedro B. M. Carneiro 7, Claudio L. S. Sampaio 8, Tommaso Giarrizzo 1, 9

1 – Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR), Universidade Federal do Ceará (UFC), Avenida da Abolição, 3207, Fortaleza, Brazil

2 – Reef Systems Group, Leibniz Center for Tropical Marine Research (ZMT), Bremen, Germany

3 – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Parque Nacional de Jericoacoara, Brazil

4 – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Fortaleza, Brazil

5 – Projeto Conservação Recifal (PCR), Recife, Brazil

6 – Laboratório de Ecologia e Conservação de Ambientes Recifais, Departamento de Biologia Marinha, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brazil

7 – Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Parnaíba, Brazil

8 – Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Campus Penedo, Alagoas, Brazil

9 – Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia (NEAP), Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brazil

* autor para correspondência direta: marcelosoares@ufc.br