Cientistas alertam há 10 anos para risco em Maceió: 'Vizinhos batiam na minha porta'

Os tremores de terra e o risco de colapso que colocaram Maceió em estado de emergência têm ligação com a atividade de extração de sal-gema, utilizado para produzir soda cáustica e policloreto de vinila (PVC), a mais de 1 km de profundidade. A extração foi interrompida pela Braskem há cinco anos, mas isso não impediu que a movimentação do solo continuasse. Estudiosos dizem alertar sobre riscos na área pelo menos desde 2010.

10 anos de avisos

Pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) afirmam que apontavam para riscos de afundamentos em Maceió há mais de uma década.

"Um estudo publicado na revista científica Geophysical Journal International mostrou que a exploração do sal-gema pela Braskem estava provocando aumento do nível do lençol freático na região. Esse aumento de pressão poderia causar o afundamento do solo", diz texto divulgado nesta semana no site da Ufal, citando publicação cientifica de 2010.

"Em 2011, outro estudo, publicado na revista científica Engineering Geology, chegou à mesma conclusão. Os pesquisadores estimaram que o afundamento poderia atingir até 1,5 m em algumas áreas da cidade", acrescenta o texto.

Sinalização em área próxima à mina 18 da Braskem, em Maceió
Sinalização em área próxima à mina 18 da Braskem, em Maceió Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Sismos

Sobre os sismos que têm sido detectados nos últimos dias, a geóloga Regla Toujaguez, professora dos cursos de Engenharia e Ciências Agrárias da Ufal, diz que eles são esperados na atual situação. "Tirou o sal e ficam muitas cavidades. Essas cavidades são preenchidas com fluido. A mineração parou, mas eles precisam manter o sistema e fazer monitoramento diário."

A própria professora da Ufal foi afetada pelo caso. Ela morava no bairro Pinheiro, um dos que precisaram ser desocupados. "Nosso prédio teve problema, muitas casas tinham rachaduras. Como os vizinhos sabiam que eu era geóloga, a todo momento vinham bater na minha porta para perguntar se era seguro", conta Regla. Todos eles foram removidos, a partir de 2018, e indenizados pela Braskem.

Francisco Dourado, professor de geologia da Universidade do Estado do Rio (Uerj) e coordenador do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres da instituição, explica que os colapsos ocorrem se há perda da autossustentação de uma estrutura.

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"Quando falamos de cavernas, minas subterrâneas ou qualquer cavidade subterrânea, os colapsos causam a subsidência (afundamento) da camada acima dessa cavidade." Dourado diz que esse tipo de incidente não é raro. "Os colapsos causados pelo homem geralmente estão associados a minerações, mas há outras causas, como as construções de túneis para o sistema de transporte", cita.

Ele lembra o caso da escavação para a Linha-4 do metrô do Rio, que causou problemas em edificações na Gávea, zona sul da capital fluminense.

A mina 18, onde o problema teve origem, está localizada no bairro de Mutange. Estudos têm mostrado o aumento significativo na movimentação do solo na mina, indicando a possibilidade de rompimento e surgimento de um sinkhole, ou seja, uma enorme cratera pode ser aberta na região afetada. Após um período de estabilização, o deslocamento da mina começou a se intensificar nos últimos dias.

Em 3 de março de 2018, um tremor de terra causou rachaduras em ruas e casas e o afundamento do solo em cinco bairros: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e em uma parte do Farol. Mais de 55 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas naquele ano. Agora, uma decisão judicial determinou a saída de 27 famílias da área de risco. Dessas, 14 ainda não tinham saído de casa até a noite de quinta-feira.

Monitoramento

Em nota, a Braskem declarou que "continua mobilizada e monitorando a situação da mina 18" e "tomando todas as medidas cabíveis para minimização do impacto de possíveis ocorrências". O texto acrescenta que "todos os dados colhidos estão sendo compartilhados em tempo real com as autoridades". Ainda segundo a empresa, a extração de sal-gema em Maceió foi totalmente encerrada em maio de 2019.

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*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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