Ufal e Codevasf iniciam projeto para recuperação de lagoa no São Francisco Canal de São Brás funcionará como um berçário de cerca de seis milhões de peixes nativos por ano.

Rose Ferreira / Ascom Ufal

31 mar 2023 - 10:46


Com 4km de extensão, o Canal de São Brás será a primeira unidade demonstrativa do projeto (Foto: Divulgação)

A pesca artesanal é uma das atividades econômicas mais importantes na região do Baixo São Francisco, mas tem sido duramente comprometida em decorrência da construção de barragens e hidrelétricas e da diminuição da qualidade do ambiente aquático, em virtude da poluição, da falta de saneamento e da variação das vazões no rio. O desaparecimento das lagoas marginais, que funcionavam como “braços” do rio e refúgios para peixes, também impactou a ictiofauna, propiciando o aumento desordenado de espécies predadoras e sem valor econômico, enquanto peixes nativos já não conseguem mais sobreviver, nem reproduzir.

“As lagoas eram espaços de convivência fundamentais, porque quando o rio enchia a calha principal e se conectava com essas lagoas, os peixes migravam com fins reprodutivos para as áreas de confluência e ali realizavam a reprodução”, explica o pesquisador em Ciências Aquáticas e professor da Ufal, Emerson Soares.

O município de São Brás possui um canal com 4km de extensão e que, atualmente, só se conecta com o rio em vazões mais altas, ficando sem água e sem função ecológica na maior parte do tempo.

Então, a partir de uma provocação da Prefeitura de São Brás, os pesquisadores da Ufal, Emerson Soares e José Vieira, idealizaram um projeto audacioso, mas que logo despertou o interesse e investimento da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Ministério da Pesca e Aquicultura e de outros parceiros, devido à efetividade e solidez da proposta, que prevê não somente o desassoreamento do canal, mas também o reflorestamento das áreas marginais pelo Centro de Referência em Recuperação de Áreas Degradadas do Baixo São Francisco (Crad) da Ufal, o saneamento pelo Consórcio Águas do Sertão, uma bolsa ambiental para que ninguém pesque nessa área, além de fiscalização e um trabalho intenso de educação ambiental com a população, envolvendo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), a Prefeitura de São Brás e o Ministério Público Federal (MPF).

A Resolução nº 2081 de 2017, da Agência Nacional de Águas (ANA), determina dois pulsos anuais de inundação na região do Baixo São Francisco, então o canal de São Brás contará com um sistema de comportas, que vai permitir que essa água permaneça lá, mesmo quando a vazão diminuir. O ambiente será isento de contaminantes, não terá predadores e vai ser uma área reflorestada, monitorada e cuidada, recebendo, anualmente, cerca de seis milhões de juvenis, de sete espécies nativas.

“A união de forças entre instituições vai gerar o sucesso desse trabalho, com o monitoramento da universidade, os peixamentos direcionados e o fortalecimento da base de Itiúba, com a estrutura e as condições para que eles produzam alevinos com boa qualidade genética. Esses peixes vão ter um estágio de crescimento num ambiente protegido e, quando eles atingirem um certo tamanho e já estiverem adaptados ao ambiente selvagem, vamos liberar a água e esses peixes vão repovoar o São Francisco, descendo ou subindo o rio”, esclarece Soares, coordenador do projeto.

A necessidade dos peixamentos da Codevasf serem direcionados a este local controlado e monitorado se deve à alta taxa de mortalidade dos alevinos colocados diretamente no Rio São Francisco: “O repovoamento de espécies nativas realizado pela Codevasf, inclusive durante as Expedições Científicas, é muito importante, porque sem eles os pescadores não teriam nem o que pescar no Baixo, no entanto a taxa de mortalidade desses peixes juvenis é muito alta, podendo chegar a 90%, devido à presença de predadores, como a pirambeba. Então é um investimento grande que o governo faz e que só tem um pequeno retorno”, esclarece Soares.

O projeto do canal de São Brás será realizado em etapas e vai proporcionar que as espécies nativas cheguem ao rio já desenvolvidas, diminuindo assim a taxa de mortalidade e favorecendo o equilíbrio do ecossistema. “Atualmente, o ambiente está dominado pela pirambeba e pelo tucunaré, que são espécies rústicas e que devoram tudo. Com outros peixes nativos e predadores, como o pacamã, haverá mais competição e essas espécies não vão mais sobressair”, pondera Soares.

E, à medida que o trabalho for consolidado, será pleiteada a parceria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), através do Grupo de Assessoramento Técnico para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna Aquática do Rio São Francisco (Pan São Francisco), para repovoamento de outros peixes nativos, de alto valor econômico e que não são mais encontrados na região do Baixo, como o surubim, o pirá e o Dourado.

A cidade de São Brás é considerada estratégica por ser central e por ser um município pequeno, onde é mais fácil trabalhar com a comunidade. O projeto também vai beneficiar a região do ponto de vista econômico, por meio do turismo e do incentivo fiscal, através do ICMS verde. “A ideia é que a cidade de São Brás, em conjunto com todos esses parceiros, seja enquadrada como uma cidade sustentável, que contribui para a sustentabilidade do São Francisco, e que receba um selo verde, sendo modelo para outras regiões do país. A região vai ter um retorno imediato, gerando turismo, renda pra comunidade, selo ambiental e mais peixes para todos os pescadores do Baixo”, comemora Soares.

Para Maciel Oliveira, presidente do CBHSF, “o projeto é importante em vários aspectos: na questão ambiental pela recuperação de um trecho importante do Rio São Francisco, uma lagoa marginal, que com as baixas vazões deixou de existir; no viés social, porque nós vamos ter nessa região de São Brás a população convivendo novamente com a área do rio; e também a questão econômica, com milhares de pescadores, em todo o Baixo, retomando suas atividades”.

Esta será a primeira unidade demonstrativa. A pretensão é que o projeto seja ampliado para outras regiões do próprio Baixo São Francisco e sirva de modelo para o Brasil, por ser replicável e permitir a agregação de outras variáveis. O projeto está na fase inicial e os estudos básicos devem ser concluídos ainda em 2023, de acordo com o engenheiro Rodrigo Marques, gerente de estudos e projetos da Codevasf do Distrito Federal.

“A gente vai fazer os estudos hidrológicos, a batimetria, a topografia e os estudos de sondagem geotécnica. Com isso, a gente já consegue definir efetivamente como vai ser esse projeto no futuro”, esclarece Marques. A previsão é que a construção da estrutura seja concluída em 2024 e que, em 2025, comece a etapa seguinte, que é a do repovoamento dos estoques nativos e monitoramento.

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