Política

Instalação da Salgema/Braskem expulsou Ufal do Pontal da Barra

Fato ocorreu na década de 1970 por imposição do governo militar e causou prejuízos à educação e ao meio ambiente

Por Davi Salsa – Sucursal Arapiraca com Agência Senado 07/10/2023 08h54 - Atualizado em 07/10/2023 09h12
Instalação da Salgema/Braskem expulsou Ufal do Pontal da Barra
Professora Flávia Moura: ‘golpe também contra o ensino público’; José Geraldo Marques lembra que diretor da Salgema sugeriu ao reitor comprar máscaras - Foto: Edilson Omena

Uma imposição da Ditadura Militar para a escolha da área no Pontal da Barra, em Maceió, e a consequente instalação da antiga Salgema, hoje Braskem, na década de 1970, afetou os pilares do que há de mais importante para o desenvolvimento de uma sociedade: a Educação. Era o ano de 1973, e o Ministério da Marinha cedeu à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), as antigas instalações da Escola de Aprendizes-Marinheiros, que era localizada, na época, também no Pontal da Barra, e no prédio passou a funcionar o Campus Tamandaré.

Antes de falecer, em 2022, o professor Radjalma Cavalcante, que lecionou por mais de 45 anos na Ufal, chegou a relatar, em várias entrevistas, os fatos que levaram a universidade deixar o Pontal da Barra. O principal ocorreu após uma reunião entre a diretoria da antiga Salgema, Ufal, Polícia Militar, Exército e Corpo de Bombeiros, no ano de 1976.

Na ocasião, foi exposta a necessidade da compra de três mil máscaras contra gases, o funcionamento de três ambulâncias 24 horas e também a necessidade de reconstruir o prédio no formato 100x100, para que ficasse totalmente oxigenado. A empresa estava intensificando, com o apoio da Ditadura Militar, a exploração de sal-gema, iniciada no ano de 1941, no bairro.

Todo esse aparato, naquela época, foi determinado para o caso de um vazamento de cloro que afetaria diretamente o recém-criado campus da universidade. Contudo, sem convênio ou parceria para a compra dos equipamentos de emergência, por parte da Salgema, o reitor Manuel Ramalho foi obrigado a transferir, no prazo de quatro meses, todos os cursos do Campus Tamandaré para o atual Campus A.C. Simões, no bairro Tabuleiro do Martins.

Em contato com a reportagem da Tribuna Independente, a professora Flávia Moura, conta que a transferência da Ufal ocorreu numa época em que praticamente não havia transporte público para os estudantes até a área do novo campus.

“A implantação da Salgema, hoje Braskem, foi um golpe também contra o ensino público. A universidade e seus estudantes foram atingidos fortemente pela mudança. A mudança era parte de um projeto, no meu entendimento, para limitar e destruir o ensino superior. Fez parte do projeto da ditadura para colocar as instituições de ensino longe das cidades. Hoje há

muitos bairros residências próximos da Ufal, mas na década de 1970 a área era pouco habitada e pouco acessível”, acrescenta a professora.

ALERTAS À UNIVERSIDADE

Cientista, biólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, José Geraldo Marques, acompanhou de perto a instalação do Complexo Cloroquímico nas proximidades do campus da Ufal, no Pontal da Barra, em Maceió.

Morador do bairro Pinheiro, Zé Geraldo, como é carinhosamente conhecido no meio acadêmico, no final da década de 1970, também foi secretário-executivo de Controle da Poluição, uma pasta semelhante às atuais secretarias de Meio Ambiente, na época em que a então Salgema, atual Braskem, chegou no Pontal da Barra.

O professor fez e publicou uma série de estudos sobre a problemática da instalação da empresa no local onde foram afetadas mais de 55 mil pessoas. O afundamento do solo alterou gravemente a vida de 150 mil maceioenses em pelo menos cinco bairros da capital alagoana, a exemplo dos bairros Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol.

Milhares de pessoas foram “expulsas” de suas casas e prédios, devido aos riscos de novos afundamentos no solo e desabamentos dos imóveis. “A nossa universidade tinha um amplo prédio, muito bem construído e de ótima apresentação, com amplas e bem situadas salas de aula e outros departamentos. O campus ficava situado em terreno plano, porém entre dunas e coqueirais. Separadas dele havia casas residenciais, tipo bangalô, uma lindeza”, lembra Zé Geraldo Marques.

O cientista e professor aposentado conta em contato com a reportagem da Tribuna Independente que para além do prédio, e chegando perto da barra, era um local de belíssima área em condições naturais com pequenas lagoas interdunares. Desativada a Escola de Aprendizes Marinheiros, ganhou a Ufal, que prontamente implantou e instalou o campus complementar, com cursos funcionando, professores residindo e laboratórios sendo instalados. Ninguém esperava vir a perder aquele paraíso”, lamenta.

Zé Geraldo lembra ainda que participou da reunião do Conselho, na Secretaria de Planejamento, sobre o propalado Complexo Cloroquímico que estava em implantação.

“O reitor fazia parte do Conselho. No meio da reunião, o diretor da Salgema comunicou com o maior despudor, e para pasmo geral, que haveria risco de emanação massiva de cloro e que emanações fugitivas seriam inevitáveis. E completou dizendo que a convivência do campus com a nova vizinha, que era a fábrica de cloro-soda só seria possível se a Ufal adquirisse máscaras protetoras em número igual ao dos usuários do campus”, relembrou.

Ainda de acordo com o professor, o estado de atenção seria permanente e, em caso de acidente, a indústria daria o alarme. “Todo mundo foi apanhado de surpresa e entrou na pauta a discussão sobre as alternativas do uso de máscaras ou da mudança do campus. O reitor levou o assunto para discussão interna na universidade e a comunidade acadêmica optou pelo princípio de precaução, decidindo-se então pela retirada do local”, acrescentou.

“A minha posição já estava tomada e era de conhecimento geral das autoridades governamentais e da população. Por mim, alertada pela imprensa, não se devia discutir alternativas, pois eu era terminantemente contra a implantação da fábrica de cloro-soda naquele local. Está foi a minha fala durante a reunião. E claro que fui derrotado. A minha

posição é a mesma nos dias de hoje. Os riscos alertados pelo diretor da Salgema continuam uma probabilidade que pode acontecer a qualquer hora”, pontua Zé Geraldo Marques.

Senador tem atuado para instalar CPI e investigar a empresa


Em setembro deste ano, o senador Renan Calheiros (MDB/AL) apresentou requerimento para a criação da CPI da Braskem, com objetivo de investigar a responsabilidade jurídica socioambiental da mineradora em decorrência “do maior acidente ambiental urbano já constatado no país”.

Devido à exploração do sal-gema pela Braskem, vários bairros da cidade de Maceió sofreram afundamento de solo, prejudicando mais de 200 mil pessoas no entorno da indústria.

Sugerida pelo senador Renan Calheiros, a comissão parlamentar de inquérito terá como objetivo apurar possíveis omissões da Braskem na reparação a Maceió e aos moradores de cinco bairros da capital alagoana que tiveram o solo afundado.

“Sete bairros afundaram em Maceió, e a operação industrial da Braskem continua a se fazer todos os dias em plena capital. É fundamental que nós tenhamos, no desdobramento dessa comissão, o pagamento das partes, com o recebimento dos créditos pelos municípios de Alagoas, inclusive por Maceió, que recentemente fez um acordo duvidoso e recebeu 1,7 bilhão dos créditos do estado, e principalmente das mais de 200 mil vítimas, que foram retiradas coercitivamente das suas casas e até agora não receberam nenhuma reparação justa”, destacou o senador.

Renan Calheiros manifestou-se após reunião de líderes no Senado em que conseguiu apoio para a CPI e explicou que a comissão é necessária por ter ocorrido em Maceió o maior crime ambiental urbano do mundo.

“Isso é uma coisa inacreditável até porque o afundamento continua. Uma mineração irresponsável: durante quase cinquenta anos uma indústria fez uma mineração de sal-gema e não colocou nada em seu lugar. Durante um determinado período nós tivemos preços extraordinários para as resinas produzidas pela Braskem e aí a necessidade de lucro se agigantou. Eles inicialmente tinham previsto treze minas, acabaram fazendo 39 minas. Nós precisamos encaminhar responsabilização. Já passaram cinco anos”, criticou o senador.

Na avaliação do senador, a CPI também deve levar a um aperfeiçoamento da legislação sobre crimes ambientais, com caracterização precisa desses delitos.

Renan ainda aponta a necessidade de se investigar a solvência da empresa e as decisões de seus acionistas controladores que, conforme denúncia, “distribuíram volumosos dividendos” mesmo após ter sido constatado o dano socioambiental. Para ele, é importante apurar os reflexos em “seus milhares de investidores e acionistas”. Além disso, o processo de venda da empresa, que está em curso, deve levar em conta os custos que serão destinados para a recuperação do desastre em Maceió.

O requerimento contou com o apoio de 45 senadores, acima das 27 assinaturas necessárias para sua criação. A Presidência do Senado vai conferir todas as assinaturas dos signatários e, confirmando, fará a leitura, como afirmou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

DESASTRE

A Braskem S.A., empresa petroquímica controlada pela Novonor S. A., foi responsável, com a extração mineral de sal-gema, pelo afundamento e de cinco bairros em Maceió, que deixou um rastro de destruição em Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol.